sexta-feira, 19 abril 2024

Adolescente é despido, amordaçado e chicoteado por furtar chocolate

De um lado, sacos de cebola. De outro, caixas de melancias, verduras e legumes. E no centro do cubículo: um adolescente negro, amordaçado e nu. Em cárcere privado, a vítima é colocada nessa posição para uma sessão de tortura. A cena lembra uma mancha ainda viva na história do Brasil que se fez nação com todo tipo de abuso praticado contra a população africana.

As chibatadas, assim como na época da escravidão, são direcionadas às costas do jovem. Não há tronco, mas um fascínio dos agressores em registrar cada grito de dor da vítima em vídeo gravado num aparelho celular. A tortura avança. Os fios de energia trançados atingem a vítima pela segunda vez, que se contorce de dor. Na terceira chibatada, um dos agressores ri e manda o adolescente se virar.

Num claro ato de zombaria, um dos agressores diz: “não quebrou nada”. Trabalho bem executado, quis dizer um dos agressores quando avisa o adolescente que nenhum osso dele foi afetado. A sessão não termina, como parecia crer a vítima. Um dos agressores ainda avisa. “Vai tomar mais uma [chibatada] para a gente não te matar. Você vai voltar?”

O espancamento gravado em vídeo dura 40 segundos e ocorreu numa manhã do mês de agosto dentro de uma unidade da rede Ricoy, na zona sul da capital paulista. As imagens foram parar nas redes sociais e forçaram a polícia a abrir um inquérito neste segunda-feira (2) -um mês depois do ocorrido. Foi nos fundos da unidade localizada na avenida Yervant Kissajikian, na Vila Joaniza, que o adolescente foi torturado por dois seguranças da loja.

No boletim que relata a ocorrência, o adolescente foi torturado porque furtou barras de chocolates do estabelecimento.
Assim que deixou a loja, a vítima diz ter sido abordada por um dos seguranças apelidado de Santos. Ambos já se conheciam, segundo a polícia. Ameaçado, o adolescente foi levado por Santos e mais um segundo segurança, conhecido como Neto, para um cômodo utilizado como depósito de mercadorias.

O adolescente diz que permaneceu por 40 minutos no local e que lá foi agredido o tempo todo. “Depois de apanhar bastante, foi liberado pelos agressores e não quis registrar boletim de ocorrência pois temia pela sua vida”, diz a polícia. O adolescente afirma ainda que ouviu Santos dizer que, se ele o denunciasse, iria matá-lo. “Quero Justiça contra isso, eles fizeram maldade. Quero por eles dentro das grades”, disse a vítima em entrevista à TV Globo.

Desde os 12 anos morando na rua, o adolescente diz ter sido apreendido uma vez após invadir uma residência. Pelo crime, cumpriu medida socioeducativa na Fundação Casa, órgão da gestão Doria (PSDB) que busca ressocializar jovens em conflito com a lei. Para o advogado Ariel de Castro Alves, que também integra o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, os agressores queriam exaltar “os atos bárbaros e cruéis com a gravação”. “Ela demonstra até um certo sadismo”, disse.

A tortura é um crime hediondo e ocorre quando alguém é submetido, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental. A lei 9455 de 1997 prevê penas de 2 a 8 anos aos acusados. O adolescente será submetido nesta terça-feira a exames de corpo de delito. O Conselho Tutelar de Cidade Ademar também acompanha o caso e vai solicitar assistência psicológica à vítima.

OUTRO LADO

A rede supermercadista Ricoy informou que os seguranças foram afastados de suas funções. Eles ainda não se apresentaram à polícia. A reportagem procurou, mas não localizou a defesa dos suspeitos. O grupo Ricoy disse ainda que repugna a atitude de seus colaboradores. “Foi com indignação que tomamos conhecimento dos fatos por meio da imprensa. A empresa não coaduna com nenhum tipo de ilegalidade e colaborará com as autoridades envolvidas na apuração do caso para tomar as providências cabíveis”, segundo comunicado enviado à reportagem.

A rede não informou quando a tortura ocorreu e que medida vai tomar para evitar novos casos. Com 50 lojas, a rede Ricoy foi criada na década de 1970 e se espalhou pelos extremos das zonas leste e sul de São Paulo. Em seu informe institucional, a rede diz que o seu sucesso está amparado num tripé: empreendedorismo, gestão e seriedade.

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