quinta-feira, 25 abril 2024

Femicídio extrapola condição social

A vítima de feminicídio na região de Campinas é majoritariamente jovem, branca, solteira e tem ensino fundamental. E um detalhe é ainda mais preocupante: o número de crimes de gênero por aqui supera a média do Estado de São Paulo. 

Os dados fazem parte de um estudo que acaba de ser divulgado por pesquisadores da FCM (Faculdade de Ciências Médicas) da Unicamp. 

A própria cidade de Campinas, coração da região metropolitana – cidade com quase 1,2 milhão de habitantes – serviu como referência do estudo, desenvolvido ao longo de um ano. 

Os resultados, publicados na revista especializada Cadernos de Saúde Pública, são surpreendentes porque comprovam que a violência contra a mulher tem razões que vão além do perfil socioeconômico de determinada região. Os números campineiros se aproximam da média nacional, que considera rincões onde as situações de risco são muito maiores. 

Para chegar às conclusões do estudo, os pesquisadores tomaram por base 582 declarações de óbito registradas no município ao longo do ano de 2015. 

Campinas registrou no período 3,18 feminicídios para cada grupo de 100 mil habitantes. 

Para se ter uma ideia, no mesmo período, a média estadual foi bem inferior: 2,4 casos para cada grupo de 100 mil habitantes. Campinas se aproximou da triste média nacional: 4,8 casos para cada grupo de 100 mil habitantes. 

O AGRESSOR 

Do total de mortes declaradas no período, 26 correspondiam a mulheres assassinadas, e nada menos que 63,2% delas acabaram mortas pelo próprio companheiro, marido ou namorado. Duas das vítimas estavam grávidas no momento do crime, o que tornou as ocorrências ainda mais chocantes. 

A maior parte dos crimes – 52% – foi cometida no próprio domicílio da vítima, e o principal mecanismo de morte foi a arma branca, como facas (31,5% dos casos), seguido de arma de fogo (26,3%) e objetos contundentes, como pedaços de ferro ou de madeira (15,8%). 

A pesquisadora Mônica Roa trabalhou na pesquisa. Pós-graduanda em Saúde Coletiva, ela afirma que a decisão da mulher de se separar figura entre as motivações mais frequentes para o feminicídio. 

E as mortes decorrem de ações extremamente violentas do ponto de vista físico ou sexual. A vítima, diz a pesquisadora, tem pouca chance de socorro médico em tempo hábil para sobreviver. As expectativas da pesquisadora não são alentadoras. Nove mulheres já foram assassinadas em Campinas desde o começo deste ano. 

Outro integrante do grupo de pesquisadores, Ricardo Cordeiro, epidemiologista da FCM, é especialista em análise de mortes violentas. 

Na opinião dele, a observação dos dados precisa ir além dos registros estatísticos. Ele defende que sejam feitas entrevistas com pessoas próximas de cada vítima. 

A “autópsia verbal’, avalia, permite compreensão maior de cada caso, na busca pela motivação do agressor. 

PESQUISADORA DEFENDE A AMPLIAÇÃO DA REDE PÚBLICA DE APOIO 

A pesquisadora Mônica Roa, colombiana, vive em Campinas há três anos. Ela afirma que o feminicídio é um crime presente em todas as classes sociais. Mas esta, a seu ver, nem é a questão mais importante a ser tratada. O fato, diz, é que precisa existir um número muito maior de políticas públicas voltadas ao atendimento da mulher que sofre com a violência dentro da própria casa. 

Na opinião dela, é imprescindível que exista uma rede de apoio eficiente: mais delegacias da mulher, mais assistência psicológica, mais canais de comunicação. 

Investimentos que, a seu ver, podem representar a redução dos registros criminais ao longo do tempo. Além disso, afirma, precisa haver a transformação da própria cultura feminina. O silêncio e a submissão, opina, ainda são obstáculos no combate a este tipo de crime. 

MÔNICA ROA | Pesquisadora ligada à FCM da Unicamp defende o fortalecimento da rede de apoio às vítimas (Foto: Edimilson Montalti | FCM)

“A violência contra a mulher existe em todas as classes sociais, e ela vai muito além da agressão física ou a sexual. Também existe a violência psicológica, a financeira, a patrimonial. E essa situação só vai melhorar quando a mulher agredida dentro de casa não tiver medo de denunciar o agressor”. disse a pesquisadora Mônica Roa.

OS NÚMEROS DA PESQUISA

47,4% das vítimas são mulheres brancas;

63,2% das vítimas são mulheres solteiras;

84,2% das vítimas possuem um ou mais filhos;

52,6% das vítimas possuem o ensino fundamental;

31 anos é a média de idade das vítimas de feminicídio;

63,2% das agressões são cometidas pelo companheiro.

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