sexta-feira, 19 abril 2024

Grupo racista no WhatsApp é caso de polícia na região

Uma comerciante negra de Sumaré teve seu telefone adicionado sem sua autorização em um grupo de WhatsApp que pregava o racismo. E ainda recebeu mensagens ameaçadoras depois que saiu desse grupo. Ela fez print de todas as mensagens e pretende registrar boletim de ocorrência por injúria racial e ameaças contra o administrador. 

Um policial civil especializado em crimes pela Internet afirmou que essa prática é crime e pode configurar racismo e injúria racial (leia abaixo). 

A vítima, que pediu anonimato, disse que tem uma loja de revenda de pedras de gelo e acredita que alguém tenha passado seu whatsApp ao administrador do grupo “Proibida Entrada de Negro”. Ou o administrador pode ter ido à loja e anotado seu celular. O grupo foi criado às 19h27 deste domingo (1º). 

Quando a comerciante percebeu a finalidade do grupo, saiu em seguida. Treze pessoas foram acrescentadas. “Quando saí, o administrador chamou no PV (privado) e me chamou de preta”, relatou a comerciante. Um dos comentários feitos foi: “preta fica ridícula com tatuagem”. 

No grupo, uma mensagem do administrador dizia: “se você for negro, saia imediatamente do grupo”. 

AMEAÇAS 

Na madrugada de ontem, um rapaz fez ameaças à comerciante depois que ela saiu do grupo. Ela só viu a mensagem ontem pela manhã. Os 13 integrantes iniciais foram saindo do grupo e a comerciante foi colocada como administradora. Sobraram seis pessoas. Então, fez prints de todas as telas da conversa para registrar a ocorrência, saiu do grupo e bloqueou os administradores. 

“Pelo o que eu li no grupo, eram mensagens de xingamentos, racismo mesmo. Tinha figurinha falando de negro, discriminando”, afirmou a comerciante. A vítima conversou com um dos criadores do grupo e descobriu que mora no bairro Real Parque, em Sumaré. 

“Ligaram para mim de um telefone com DDD 011 e a pessoa me ameaçou dizendo que se acontecesse qualquer coisa com o amigo dele daqui, ia entrar com providência, pagar para fazer mal para mim e minha família. Para ele não dava nada, porque morava fora do Brasil. Nunca passei por isso nos meus 50 anos”, relatou a comerciante. 

A vítima disse que esta foi a primeira vez que foi alvo de discriminação racial.  “Eu me sinto acuada. Estou com medo até de ir para a minha loja. Na ameaça, disse que sabia que vendo gelo”, relatou a comerciante. 

A reportagem ligou no telefone do administrador do grupo, mas as cinco ligações feitas de manhã e à tarde caíram direto na caixa postal e não houve retorno aos recados deixados. 

SAIBA MAIS 

A lei 12.288, de julho de 2010, instituiu o Estatuto da Igualdade Racial e alterou a lei 7.716 de 1989. O artigo 20 desta lei determina que praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional sujeita o autor a pena de reclusão de um a três anos e multa. O parágrafo terceiro alínea 3 do artigo 20diz que a propagação de mensagens na rede mundial de computadores tem pena prevista de reclusão de um a três anos ou multa. 

PRÁTICA É COMUM, LAMENTA ESPECIALISTA  

O policial civil especializado em crimes cibernéticos Moisés de Oliveira Cassanti, autor do livro “Crimes Virtuais, Vítimas Reais”, afirmou que hoje em dia é muito comum comunidades fechadas e perfis nas redes sociais que disseminam o ódio e a inveja.

CASSANTI | Vítima deve registrar a ocorrência

A recomendação dele é para a vítima registrar boletim de ocorrência e apresentar todos os prints deste grupo, fazer cópias e manter os impressos guardados. A partir daí é possível abrir o inquérito policial, para descobrir quem montou este perfil. 

A dica do policial é registrar a ocorrência na Delegacia de Defesa da Mulher, no caso específico da comerciante, para agilizar ainda mais a apuração. 

“Primeiro, crime de ódio é inafiançável. Racismo é considerado crime grave, tem punições severas”, ressaltou o policial, que atua na 2ª Delegacia Seccional de Campinas. 

Cassanti ressaltou que todos os participantes podem ser responsabilizados, tanto quem criou o grupo quanto quem compartilhou as mensagens racistas. O administrador poderá ser responsabilizado, pois é a única pessoa que pode incluir ou excluir alguém do grupo. 

NO BOLSO 

Para o policial civil, a comerciante pode ter sido incluída no grupo por engano ou até mesmo de propósito. 

Segundo o especialista, além da esfera criminal, o responsável poderá ser processado na esfera cível, com ingresso de processo por danos morais. 

“A pessoa que criou o perfil será responsabilizada penalmente ou até mesmo ser condenado a pagar indenização. Só para quando sente no bolso”, disse. 

Em vias de lançar o segundo livro, “Crimes virtuais nas redes sociais”, pela Editora Millenium, de Campinas, o policial disse que “o ser humano é do mal” e que há muitos casos de perfis e grupos criados para disseminar ódio contra etnias, raça, religião e até mesmo para denegrir a imagem de pessoas por inveja por causa de promoção no trabalho ou porque comprou um carro novo. 

“Hoje em dia não existe mais a sensação de anonimato, que ninguém vai descobrir. Hoje em dia todo mundo sabe que se se criar perfil para espalhar ódio, inveja e rancor, sabe que vai ser descoberto. A vítima passa a desacreditar na aplicação da lei, por isso não procura a polícia, porque acha que não vai dar em nada, vai ter dor de cabeça, gerando sensação de impunidade”, afirmou o policial civil.  

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