quarta-feira, 24 abril 2024

Cerco se fecha ao crédito por telefone

Bancos e municípios criam regras para coibir e punir ofertas de empréstimos consignados por ligações telefônicas 

Na linha | Aposentados são o alvo principal das ofertas de empréstimo consignado (Foto: José Augusto Corrêa / Procon)

O aposentando Antonio Daniel, 63, já pensou até em cancelar a linha telefônica fixa que mantém em casa. Como usa o telefone celular para falar com parentes e amigos, o número residencial, além do custo, passou a ser apenas um incômodo com o qual tem que conviver diariamente. Isso porque chega a receber até 14 ligações diárias de financeiras oferecendo empréstimos consignados.
De acordo com ele, o padrão é o mesmo: dizem que ele tem um crédito aprovado e insistem para que feche negócio, mesmo com a recusa recorrente. “Eu já conheço os números de onde ligam e nem atendo. As ligações não têm hora para acontecer, pode ser de manhã, à tarde e até mesmo a noite. É muito incomodo”, comenta.

Desde janeiro do ano passado, está em vigor um sistema de autorregulação de operações de empréstimo pessoal e cartão de créditos com pagamento mediante consignação, elaborado pela Febraban (Federação Brasileira de Bancos). Segundo o acordo firmado entre 23 instituições, o que representa 97,88% do volume da carteira de crédito, os signatários se comprometeram em desenvolver um mecanismo de bloqueio de ligações a consumidores que não queiram receber ofertas de crédito, além de criar uma base de dados para monitorar reclamações sobre ofertas inadequadas.
Dados divulgados pela entidade no último dia 25 mostram que, desde a implantação do sistema, foram aplicadas 671 sanções, sendo 321 advertências e 147 suspensões temporárias. Apenas em agosto deste ano, 66 punições por irregularidades de correspondentes bancários foram registradas – enquanto 32 foram advertidas, outras 34 foram suspensas temporariamente, sete delas no estado de São Paulo.
PROJETO
Nesta semana, a Câmara de Americana aprovou por 17 votos o projeto de lei do vereador Vagner Malheiros (PSDB) que proíbe instituições financeiras de ofertarem e celebrarem contrato de empréstimo e cartão de crédito consignado por meio de ligações telefônicas. A proposta estipula multa de R$ 200 mil para a instituição que descumprir a determinação. No caso de reincidência, Malheiros sugere a exclusão da inscrição municipal da financeira. Para passar a valer, o prefeito Chico Sardelli (PV) precisa sancionar a lei.
“Esse tipo de contratação desrespeita os princípios norteadores do Código de Defesa do Consumidor, bem como o Estatuto do Idoso. Não é difícil ouvir de conhecidos ou dos familiares casos de contratação de empréstimo financeiro equivocados de um aposentado ou pensionista com uma instituição financeira. Muitos contratam sem a plena capacidade de conhecimento do que se está contratando e a consequência é o grande acúmulo de processos no Poder Judiciário, bem como o sofrimento do contratante em estar vinculado a prejuízos financeiros, gerando muito estresse e comprometendo a saúde de idosos”, justifica Malheiros.
SANTA BÁRBARA
A mesma proposta foi protocolada na Câmara de Santa Bárbara d’Oeste, pelo vereador Reinaldo Casimiro (Podemos), no início da última semana, sem data definida para entrar na puta de votações.
“Enquanto não entram em vigor regras reguladoras para a oferta de crédito consignado para aposentados e pensionistas, o assédio intenso de bancos e financeiras a aposentados e pensionistas continua a ocorrer, com oferta de tentadores empréstimos consignados”, afirma Casimiro.
Recentemente, o Procon-SP divulgou o crescimento de 156% do número de reclamações relacionadas ao assunto neste ano, comparado com 2020. Em Santa Bárbara d’Oeste, o índice é ainda pior: foram 288% a mais de reclamações somente nos nove primeiros meses de 2021 em relação a todo o ano passado.
RESPONSABILIDADE
A advogada Maricel Prezzoto, especialista em Direitos do Consumidor, diz que a responsabilidade pela regulação dos consignados é do Banco Central. “Atualmente, o crédito consignado é regido pela Lei n.º 10.820, de dezembro de 2003, e foi introduzida no ordenamento jurídico a partir de uma medida provisória, a 130/03”, informa.
Ela explica que pode ser comprometido com a modalidade de crédito até 30% do valor da renda. “O consignado não pode ser concedido pelo telefone, sem o comparecimento do consumidor à instituição”, diz.

“Acontece também de empréstimos feitos por terceiros usando o nome de aposentados que só descobrem quando a primeira parcela é cobrada”, conta. “Apenas na última segunda-feira (25) eu atendi três casos em que os empréstimos não foram feitos pelos beneficiados, mas por terceiros. Nesta sexta-feira (29), recebi o caso de uma senhora que possui 14 empréstimos feitos no nome dela. Três ela requereu, mas os outros foram irregulares”, conta. Maricel diz que a melhor maneira de se defender do problema é bloquear o serviço contratado. 

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