sexta-feira, 19 abril 2024

Jacarezinho é bairro do Rio onde chacinas policiais mais mataram

Ao todo, foram realizadas 17.929 operações entre 2007 e 2021 em favelas da região metropolitana do Rio, das quais 593 resultaram em chacinas, totalizando 2.374 mortos

Para chegar a esses dados, o grupo de pesquisa cruzou o seu banco de dados com o do Instituto de Segurança Pública, autarquia do governo estadual (Foto: Reprodução / SILVIA IZQUIERDO)

A operação da Polícia Civil que terminou com 28 pessoas mortas no Jacarezinho em maio do ano passado não foi um ponto fora da curva. A comunidade é o bairro do Rio de Janeiro com o maior número de pessoas mortas em chacinas decorrentes de ação policial. Foram 112 mortes nos 19 massacres que ocorreram na favela entre 2007 e 2021.

Em segundo lugar, vem o bairro de Costa Barros, com 97 mortes, seguido pelo Complexo da Maré, somando 92 óbitos. As três comunidades estão localizadas na zona norte, região da capital fluminense que responde pelo maior número de chacinas. São 222 registros (58%), com 959 mortos.

Ao todo, foram realizadas 17.929 operações entre 2007 e 2021 em favelas da região metropolitana do Rio, das quais 593 resultaram em chacinas, totalizando 2.374 mortos.

Os dados são de uma pesquisa do GENI-UFF (Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense) e evidenciam que o Jacarezinho é alvo frequente de ações com altas taxas de letalidade. As operações nessa favela têm 70% de chance de resultarem em mortes, segundo o estudo.

Para chegar a esses dados, o grupo de pesquisa cruzou o seu banco de dados com o do Instituto de Segurança Pública, autarquia do governo estadual. Com isso, foi possível identificar discrepâncias e complementar informações. A base do GENI-UFF é formada por notícias sobre operações que foram confirmadas por três ou mais fontes, como jornais e redes sociais.

Coordenador do grupo, o sociólogo Daniel Hirata explica que o grande número de mortes provocadas por chacinas policiais no Jacarezinho pode ser explicado por três fatores. O primeiro é a localização da comunidade, que fica em uma região da cidade marcada por intensos conflitos.

De acordo com o especialista, milícias da zona oeste e da Baixada Fluminense tentam expandir sua atuação em direção à zona norte, o que gera confrontos entre grupos armados. Quando a polícia entra nessas zonas já conflagradas, o saldo de mortes tende a ser alto.

Na pesquisa, disputa entre grupos criminais é a principal motivação para operações que terminam em chacina (13,7%), seguido por perseguição ou fuga (4,7%).

“O segundo ponto é que o Jacarezinho é um lugar controlado pelo Comando Vermelho e um de seus principais locais de atuação. As áreas do Comando Vermelho tendem a terem respostas mais violentas das forças policiais do que áreas de milícia”, diz o sociólogo, acrescentando que as chamadas operações vingança também explicam a alta taxa de letalidade das ações na favela.

“Nos últimos anos, há alguns casos em que se tem a morte de um policial em operação no Jacarezinho e, em seguida, uma chacina, ou seja, uma operação que termina com três ou mais mortos.”

No dia 6 de maio de 2021, o massacre do Jacarezinho se seguiu à morte do policial civil André Leonardo Frias, 48, que foi baleado logo no começo da operação. A partir daí, a comunidade viveu seis horas de intenso tiroteio que resultou na morte de 27 civis, totalizando 28 mortos naquela que é considerada a operação mais letal da história do Rio de Janeiro.

As mortes aconteceram em 13 pontos diferentes da favela; algumas delas ocorreram em vielas, outras, na casa de moradores, o que gerou investigações independentes do Ministério Público do Rio.

Responsável pela operação que resultou nas 28 mortes, a Polícia Civil é proporcionalmente a que mais mata em operações que terminam em chacina, com média de 4,8 mortos contra 4 mortos no caso da PM.

“Esse foi um dado que nos surpreendeu”, diz Hirata, explicando que operações da Polícia Civil costumam ter três fatores que diminuem o número de mortes: recebem respaldo judicial, são planejadas e fruto de investigação.

Tanto é que, na pesquisa, operações motivadas por mandado de prisão ou busca e apreensão e por recuperação de bens aparecem como as razões menos frequentes para operações que terminam em chacina. Incursões dessa natureza costumam ser planejadas, amparadas judicialmente e resultado de investigações, o que diminui a frequência e a letalidade de chacinas.

Para o pesquisador, a explicação para a taxa elevada de letalidade da Polícia Civil está na atuação da CORE, a Coordenadoria de Recursos Especiais.

“Essa unidade é mais antiga do que o BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais, ligado à PM) e tem um histórico de atuação brutal. As unidades especiais tendem a realizar mais chacinas e ter uma letalidade maior nessas chacinas”, diz o especialista.

Entre mais de 70 batalhões e delegacias, o BOPE está na liderança no número de chacinas (92), enquanto a CORE aparece em terceiro lugar (36), empatada com o 14º Batalhão de Polícia Militar. Quando essas duas unidades de elite atuam juntas, as chances de haver massacre disparam, com uma probabilidade seis vezes maior da ocorrência de chacinas (18,2% contra 2,9% dos batalhões e delegacias).

“As unidades especiais precisam ser repensadas. Pelo modo como estão atuando, parece que elas estão sendo concebidas para operar de forma letal. Deveria ser o oposto.”

Embora a Polícia Civil seja proporcionalmente a mais letal, a PM é a que mais participou de chacinas, integrando 88,5% dessas ocorrências.

Em nota, a Polícia Militar diz que suas ações são baseadas em protocolos rígidos de atuação e preceitos técnicos de treinamento e orientação.

“Um dos objetivos exponenciais da Polícia Militar é a preservação de vidas, sejam elas as da população em geral ou as dos policiais envolvidos nas ações”, afirma a corporação. “Vale ressaltar que a maioria do contingente policial militar vem das classes de base da sociedade, incluindo as comunidades carentes, o que torna nossos policiais parte do contexto estrutural, histórico e social em que atuam.”

A Polícia Civil diz que os números mais recentes divulgados pelo Instituto de Segurança Pública mostram expressiva redução nas mortes por intervenção de agentes do estado. “Esse indicador apresentou queda de 30% nos três primeiros meses deste ano em comparação com o mesmo período de 2021.”

A corporação afirma ainda que a letalidade violenta, isto é, homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte, roubo seguido de morte e morte por intervenção de agente do Estado, recuou 23% “A Polícia Civil informa que mortes ocorridas durante operações são em decorrência de confrontos de criminosos contra policiais. A reação da Polícia Civil durante as ações depende da conduta do criminoso.”

Hirata considera que um dos caminhos para evitar que o massacre do Jacarezinho se repita é estabelecer um controle democrático da atividade policial.

“Isso significa a limitação do uso da força, o monitoramento e a responsabilização quando há violações”, afirma ele. “A democracia se caracteriza pelas restrições do uso da força. São regimes autoritários aqueles que dispõem da vida de forma ilimitada.” 

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