sexta-feira, 19 abril 2024

Juiz eleitoral compara mulheres que preenchem cota em eleição a ‘aleijados’

Um juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Pará comparou mulheres que disputam eleições a “aleijados” que teriam que entrar em campo apenas para completar o time. “Eu tenho 11 jogadores. Se eu puder escalar 11 craques, eu escalo 11 craques. Aí, se não tiver 11 craques, eu coloco um pé de pau? Boto um rapado? Mas não tem. Eu ponho um aleijado para jogar, mas eu não deixo em branco. Eu tenho que completar”, afirmou.

A frase foi dita durante julgamento que analisava denúncia de que uma coligação partidária teria fabricado candidaturas laranjas, em 2016, no município de Santa Luzia do Pará, para cumprir a cota de 30% destinada a mulheres, uma exigência da Justiça Eleitoral. Durante sessão plenária realizada na tarde de terça-feira (28), no TRE-PA, o magistrado Amílcar Bezerra Guimarães repetiu em alguns trechos do seu voto a metáfora futebolística para atacar a regra eleitoral.

Ele destacou que não há opção para os partidos, que são obrigados a apresentar candidaturas de mulheres. “Eu preciso de gente jogando a bola lá dentro. Por que eu haveria de colocar uma pessoa lá dentro que não tem perna nenhuma? É porque eu só tenho 7 jogadores e a lei me obriga a colocar 11 e só me sobrou o aleijado. Aí eu tenho que escalar o aleijado. O que eu posso fazer?”, perguntou.

O magistrado fez uma avaliação negativa sobre a participação das mulheres na política. “Talvez tenha sido um erro fazer uma ação afirmativa para as mulheres participarem da classe política porque talvez isso não seja uma coisa boa. Talvez seja por isso que não esteja funcionando, mas isso é só uma consideração”, ressaltou.

Em tom irônico, o juiz questionou se deve existir também ações afirmativas para que se aumente o percentual de mulheres na população carcerária. “Em vez de elas serem 10% da população carcerária, elas serem 30%. Será que as mulheres devem assaltar mais, roubar mais para poderem aumentar sua participação nos presídios”, comentou.
Com o mesmo entendimento, o juiz utilizou garis como exemplos para novamente criticar a obrigatoriedade de participação das mulheres na política por meio de cotas.

“Será que devemos fazer uma ação afirmativa para que as mulheres aumentem sua participação na limpeza pública para que elas ocupem 30% das vagas de lixeiros e de catadores de lixo na rua?”, questionou. Em seguida, o magistrado afirmou que lixeiro não é uma coisa boa. “Quando olho para as atividades dos lixeiros vejo que as mulheres não precisam de uma ação afirmativa porque não é uma coisa boa.”

Ele disse que, nas disputas partidárias, o interesse das mulheres é baixo. “Se você cria cotas para negros na universidade, falta vaga. Por que não temos vagas para mulheres na magistratura? Na magistratura, as mulheres se interessam e fazem concurso. Elas são até maioria em alguns lugares, elas vão atrás, mas, na política, isso não acontece”, avaliou.

De acordo com o magistrado, a premissa dominante é de que a vida eleitoral é uma coisa boa. “Isso me ocorreu que, talvez, a política não seja uma coisa boa. Nós estamos partindo do princípio de que se candidatar e fazer parte da vida pública eleitoral partidária seja uma coisa boa. E se não for?”, completou. Desde 1997, a lei eleitoral brasileira exige que os partidos e as coligações respeitem a cota mínima de 30% de mulheres na lista de candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais.

Para cumprir as exigências eleitorais, alguns partidos acabaram fabricando candidaturas de mulheres. Nas eleições de 2016, de acordo com dados da Justiça Eleitoral, por exemplo, as mulheres representaram 86% dos 18,5 mil candidatos que não receberam nenhum voto. “Vai pegar boi no pasto, pegar mulher no laço para ser candidata se ela não quer?”, questionou o juiz.

Neste ano, a Folha de S.Paulo revelou um esquema nas eleições de 2018 de candidaturas de mulheres laranjas do PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, que virou alvo de investigação em Minas Gerais e Pernambuco. O caso envolve o ministro do Turismo do governo, Marcelo Álvaro Antônio. Procurados pela reportagem, o TRE-PA e o juiz Amílcar Bezerra Guimarães não comentaram o assunto. O julgamento que motivou as declarações de Amílcar em Santa Luzia do Pará ainda não foi concluído -acabou adiado por um pedido de vista. Ele envolve uma coligação com MDB e Solidariedade -se a chapa for impugnada, quatro vereadores perdem o mandato.

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