O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin que suspenda o inquérito das fake news, por meio do qual políticos, empresários e ativistas bolsonaristas foram alvo de mandados de busca e apreensão nesta quarta-feira (27).
Em parecer enviado ao magistrado, ele diz que a PGR (Procuradoria-Geral da República) “viu-se surpreendida com notícias na grande mídia de terem sido determinadas dezenas de buscas e apreensões e outras diligências, contra ao menos 29 pessoas, sem a participação, supervisão ou anuência prévia do órgão de persecução penal [a própria PGR]”.
A manifestação se deu numa arguição de descumprimento de direito fundamental ajuizada pela Rede contra o inquérito. O partido sustenta que ele é inconstitucional por ter sido aberto pelo próprio STF, com base em seu Regimento Interno, sem a participação do Ministério Público.
O caso tramita no gabinete de Fachin, e não no de Alexandre de Moraes, que preside a investigação e determinou as medidas cumpridas nesta quarta.
Aras pede que a suspensão se dê até que o plenário do Supremo decida o mérito da ação proposta pela legenda e defina “os contornos” da apuração.
O inquérito das fake news apura notícias fraudulentas, falsas comunicações de crime, denúncias caluniosas, ameaças e demais infrações difamatórias contra o Supremo e seus ministros.
Foi instaurado em 2019 de forma atípica, sem prévia requisição da PGR, com base num artigo do regimento do Supremo. Ele prevê que, ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal, o presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro ministro”.
Desde a abertura do caso, diferentemente do que ocorre normalmente, as medidas investigativas não têm sido propostas pelo MPF (Ministério Público Federal), mas pelo próprio Supremo, que as defere.
A operação desta quarta, por exemplo, foi sugerida pelo juiz que auxilia Moraes em seu gabinete.
A condução do inquérito tem sido motivo de controvérsia desde o ano passado. A então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu o arquivamento do caso em mais de uma oportunidade por possível afronta ao regramento das investigações vigentes no país.
Aras divergiu dela parcialmente. Manifestou-se pela constitucionalidade da investigação, desde que com algumas limitações, como “estar adstrita à garantia da segurança dos integrantes do tribunal e contar com a participação do Ministério Público, única instituição com atribuição de propor ações penais”.
O procurador-geral foi consultado pelo Supremo a respeito dos mandados de busca e apreensão e das quebras de sigilo contra os investigados, discordando das medidas.
Em duas manifestações enviadas a Moraes, ele afirmou que as publicações em redes sociais apontadas como suspeitas, “a despeito de seu conteúdo incisivo em alguns casos”, não poderiam ser confundidas com a prática de calúnias, injúrias ou difamações contra os membros do STF.
“Em realidade, representam a divulgação de opiniões e visões de mundo, protegidas pela liberdade de expressão”, escreveu Aras. “Esse direito fundamental, que recebeu atenção do texto constitucional em diversas de suas disposições, é amplamente considerado essencial à higidez do regime democrático e do princípio republicano. A livre circulação de ideias e o debate público são fundamentais para a garantia de uma sociedade aberta, na qual as distintas visões de mundo são respeitadas de forma igualitária”, justificou.
No entendimento do procurador-geral, uma vez que a PGR não concordou, as ações não poderiam ter sido levadas adiante.
Segundo ele, mesmo na fase investigativa, pré-processual, independentemente da forma como foi instaurado o inquérito, “os direitos e garantias fundamentais de investigados devem ser observados, assim como é indispensável a supervisão do Ministério Público caso se façam necessárias diligências com a participação da polícia ou que impliquem restrição de direitos individuais”.
Na manifestação desta quarta, ele argumenta que a “possibilidade de instauração atípica de inquérito judicial pelo Supremo” não implica que a investigação possa ser conduzida “em desconformidade com o modelo penal acusatório”, vigente no Brasil.
“Por esse modelo, compete ao Ministério Público dirigir a investigação criminal, no sentido de definir quais provas considera relevantes para promover a ação penal, com oferecimento de denúncia ou arquivamento”, escreveu. “Não é possível que as investigações preliminares transitem diretamente entre a autoridade judiciária responsável pela condução das investigações preliminares e o organismo policial designado.”
O procurador alega que as ações desta quarta reforçam a necessidade de se conferir “segurança jurídica na tramitação” do inquérito das fake news, “com a preservação das prerrogativas institucionais do Ministério Público, evitando-se diligências desnecessárias, que possam eventualmente trazer constrangimentos desproporcionais”.