sábado, 23 novembro 2024

Nike. Racismo. Colin Kaepernick

“Just Do It”. As mesmas três palavras que transformaram o patamar da Nike no mercado de material esportivo ganharam novo significado 30 anos após sua criação. Antes um incentivo por novas atitudes (“Apenas faça”, em tradução literal), o slogan passou a ser bandeira política da empresa. É uma adequação aos novos tempos, em que se posicionar a respeito de causas político-sociais, contra ou a favor, virou parte do negócio ­ com o cálculo dos riscos que qualquer engajamento costuma gerar.

Ao usar como garoto-propaganda o quarterback Colin Kaepernick, estopim de uma briga racial que envolveu até o presidente Donald Trump, a Nike tocou em duas feridas abertas nos Estados Unidos: patriotismo e racismo. A ironia de lançar a campanha publicitária no Labor Day, o Dia do Trabalhador no país, com um jogador que acusa a NFL, a liga esportiva norte-americana mais poderosa, de impedi-lo de ter um emprego gerou certa rejeição à marca, com pessoas queimando tênis e rasgando meias nas redes sociais, e perda de valor de mercado, mas também trouxe à causa apoios de peso como LeBron James e Chris Paul, astros do basquete.

Colin Kaepernick foi quarterback do San Francisco 49ers de 2011 a 2016. Em seu último ano na NFL, decidiu protestar contra o racismo e a violência contra negros nos Estados Unidos se ajoelhando durante o hino nacional nos jogos da liga. A atitude ganhou apoio de quem se posiciona contra a desigualdade, mas foi visto como desrespeito a um símbolo do país. Ele está sem time desde então.

“A gente vive em uma era de polarização que vai para outras áreas da sociedade e as marcas que lidam com cultura popular e querem fazer isso de forma efetiva tem que tomar partido. Não adianta discurso genérico. As pessoas tomam posição e o risco que isso gera é calculado. As marcas são como as pessoas que têm personalidades diferentes. Não se consegue agradar a todos e se opta por um lado. Isso é fruto das redes sociais”, explicou o publicitário Eco Moliterno, da Accenture Interactive, à reportagem. Há 30 anos, quando ainda era uma empresa em expansão, a Nike criou o “Just Do It” para despertar a atenção dos consumidores para uma nova atitude. O primeiro comercial da campanha trouxe como estrela Walt Stack, que na época tinha 80 anos e disputava maratonas, correndo na Golden Gate, em São Francisco.

Entre 1988 e 1998, nos primeiros dez anos da adoção do ‘Just Do It’, a Nike saltou de 18% para 43% do mercado consumidor de produtos esportivos nos Estados Unidos. O resultado do posicionamento atual ainda não pode ser medidos, mas uma comparação de número de menções nas redes sociais feita pela Sysomos, empresa de análise de mídias sociais, indica um resultado positivo. A hashtag #JustDoIt teve mais de 500 mil menções no Twitter em 24 horas. A #JustBurnIt (Só queime isto, em inglês) atingiu as 6 mil menções.

“É algo previsto. Hoje é preciso comunicar algo, comprar um tênis Nike não é só comprar um tênis. O novo consumidor é ligado a isso. As marcas percebem que tem uma galera jovem e o departamento de publicidade vai querer dialogar com essa turma. Na verdade, por mais que exista um grupo mais furioso, vários outros grupos vão querer comprar o tênis Nike”, explicou a roteirista e pesquisadora Lena Maciel.

“A marca mira no consumidor desse discurso. No caso da Nike, são os negros americanos que cada vez mais têm essa consciência. A mídia espontânea que conseguiram no Twitter é super trabalhada. Além do anúncio com o atleta, tem todo um bafafá de ‘falem mal e falem de mim’. Eles podem não ter colocado dinheiro de mídia e estão vendo isso. Isso é retorno de dinheiro”, ressaltou Lena.

NIKE E NFL
O que mais surpreendeu quando a Nike escolheu Kaepernick, um personagem controverso na NFL, para a nova campanha do “Just Do It” foi justamente as relações comerciais que a empresa mantém com a liga profissional de futebol americano. A Nike é fornecedora de material esportivo das 32 equipes da NFL desde 2012, quando substituiu a Reebok, marca do portfólio da rival Adidas.

A parceria, que expiraria em dois anos, foi estendida até 2028, sem a divulgação de valores. No acordo anterior, especulava-se que a NFL receberia US$ 1,1 bilhão (R$ 4,5 bilhão na cotação atual) por cinco temporadas.

Embora seja contrária aos protestos durante a execução do hino nacional nas partidas, a NFL não fez comentários sobre a campanha publicitária com Kaepernick. Resta saber se toda a polêmica causada trará alguma consequência nos negócios da liga com a Nike.

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