Por Léo Rosa de Andrade
O Estado de Direito é precipuamente um estado de normas. A civilização liberal inventou os direitos como declaração: direitos de proteção, de acesso, de regulação de atos. Todavia, nem tudo o que nos expressa é regulável. O liberalismo construiu o Direito de cidadania em oposição ao despotismo, incluído o estatal. A normatização da vida extrapolou a pretensões originais. Um liberal “raiz” diria que nos normatizamos demais.
Explico: Podemos ser definidos de muitos modos. Aqui, agora, nos delimito como um complexo bioquímico. Um complexo bioquímico que se recompõe a si mesmo quando sofre alterações no seu estado emocional, adaptando-se.
Ou talvez seja o contrário: bem podemos nos ver como um complexo bioquímico que, em sendo provocado por determinadas situações externas, reage, alterando-se em sua condição, afetando o seu estado emocional.
Suponho que somos uma e outra coisa em contínua afetação recíproca: um complexo bioquímico variável e uma condição emocional instável. Esses dois estados interagiriam permanentemente entre si e com o meio.
Como estado emocional todos nos admitimos. Temos as emoções em conta elevada, como se fosse um apanágio, um valor definidor da condição humana. Quem não tem emoções não tem sentimentos, não seria humano.
Emoção é coisa vista como algo do coração. Bem, emoção é uma manifestação orgânica. É que temos essa herança platônica, acredita-se na dualidade corpo e mente. Mas, somos uma unidade, um corpo-que-pensa.
Somos uma complexidade ambulante contida num espaço organizado que se chama corpo. Essa complexidade move-se, pensa (algumas pensam-se), sente, emociona-se, reage, ama. Aliás, amor é emoção, ou é química?
Amor é uma emoção que objetifica alguém. Estamos tomados de emoção amorosa quando desejamos ansiosamente outra pessoa e a fazemos objeto desse sentimento. Nós a queremos com ímpetos possessivos.
Esse querer altera o complexo bioquímico que somos. Ou alterações no complexo bioquímico que somos produzem esse querer. Ou ambas as coisas são uma coisa só; ou se desencadeiam concomitantemente, “dialeticamente”.
Se o lance acontece, acontece oxitocina. Ou acontece oxitocina fazendo com que o lance aconteça. Vale saber: a oxitocina é um hormônio que se adiciona ao complexo bioquímico enquanto perdura o amor. Ou vice-versa.
Filósofos pensaram o amor, divagaram sobre ele. A bioquímica e a endocrinologia o investigam. As religiões o enquadraram, constrangendo corpos. Ambições normativas deram contornos jurídicos à relação amorosa.
As dificuldades do Direito para tutelar o amor estão às vistas. As normas apenas resolvem suas violências derradeiras. Nos processos que desmancham relações as partes usualmente se insultam a si e ao seu contrato nupcial. É impraticável dar molde jurídico às coisas do querer.