segunda-feira, 25 novembro 2024

É difícil ser criança num mundo de adultos

André Luís, teólogo e psicanalista
Por
André Luís
Foto: Divulgação

Esses dias, numa viagem de férias com a minha família, ouvi um casal discutindo acerca da birra da filhinha deles: “isto é falta de limites! Você é muito complacente com ela, por isso está deste jeito!” Noutro momento, ao digirir-se a criança, um dos adultos ameaçou: “continua pra ver, você vai apanhar na frente de todo mundo”.

Ora, uma criança de aproxidamente 2 a 3 anos não tem condições alguma de autoregulação, ela ainda está aprendendo acerca de si mesmo e suas emoções. Nesta fase etária, se ela não tiver pais que a ajudem através de uma educação mais afetiva, dificilmente saberá nomear suas emoções.

A birra, diferentemente do que se pensava no passado, não é um “xilique” qualquer da criança. Atualmente já se sabe que a birra é um mecanismo biológico no qual a criança, por mais estranho que possa parecer, está tentando se regular. Portanto, gritar com ela, ameaçá-la, ou mesmo agredí-la, não irá produzir nada de educativo, ao contrário, gerará traumas.

Quando presenciei as falas do casal para a criança, fiquei pensando: “ora, se os adultos não conseguem lidar com os desajustes próprios de uma criança nesta faixa etária, como podem exigir que a própria criança consiga?” Isto é muito injusto e desonesto.

Mesmo sendo adultos, por vezes experientes, temos dificuldades em lidar com as frustrações; sofremos, mesmo que calados, ao ouvir um não; vamos ao limite da depressão quando nos sentimos rejeitados; pensamos (alguns poucos pensam, a maioria reage) em agredir, seja de forma física ou verbal, aqueles que nos ofendem; nos sentimos magoados quando somos desprezados por outrem. Mas as crianças têm de se regular sozinha; elas têm de dar conta das emoções que elas pouco sabem reconhecer ou nominar. É difícil ser criança num mundo de adultos e, diga-se de passagem, adultos que, também, na infância, tiveram de “engolir o choro”, calar a boca, suportar a agressividade dos pais e/ou responsáveis.

É verdade que a vida, por vezes, é um grande ciclo, porém, é possível, no que diz respeito a criança, quebrar o ciclo de opressão e violência. É possível ser empático aos pequeninos que estão em fase de desenvolvimento; é possível olhar para nossos filhos dando-lhes mais importância do que ao olhar condenatório dos outros; é possível auxiliar a criança a amadurecer de forma respeitosa e saudável. Criança é só criança, por isso, precisa de adultos mais saudáveis e amáveis para educá-las para a vida. Pense nisso.

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