A Rumo – empresa que responde pela administração da malha ferroviária que atravessa Americana – pode ter um trabalho extra no restauro da estação. O fato é que, na segunda metade da década de 70, foi feita uma reforma que tirou da fachada os antigos janelões em pinho de riga, com folhas que se abriam para fora e para dentro. As peças que existem hoje – supostamente pensadas para garantir maior segurança ao imóvel – não têm nada a ver com o projeto original.
Aliás, as janelas atuais são bem mais pobres. Sem a sofisticação que caracterizava os prédios da antiga Companhia Paulista, no no começo do século 20. O próprio Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico de Americana (Conepham) vai debater o tema na próxima reunião técnica, marcada para julho. O secretário do grupo, Deoclécio Antônio de Souza, informou à reportagem que o assunto estará na pauta. O órgão é vinculado à Secretaria Municipal de Cultura e Turismo.
A Rumo, procurada pela reportagem, informou em nota que cabe à Prefeitura fazer todo o projeto de restauro. Se o conselho decidir pela troca, o serviço será feito. OLHAR ATENTO O alerta sobre as janelas descaracterizadas foi feito à reportagem pelo arquiteto Paulo César Stéfani, de 63 anos. Americanense nato, ele mora em São Paulo desde 1975. Ele afirma que sempre foi apaixonado pelo patrimônio histórico da cidade.
A notícia de que a estação seria restaurada pela parceria entre a Prefeitura e a Rumo veio a calhar. “É a chance de corrigirmos um erro histórico”, afirma. “As obras da década de 70 colocaram vitrôs comuns no lugar daqueles janelões lindos, em pinho de riga.” E a diferença entre as fachadas, antes e depois da reforma, é gritante. Não havia, nos anos 70, nenhum organismo que cuidasse da preservação histórica. Stéfani sonha com o cenário da estação de 1912 (ano da inauguração do prédio atual).
Antes do imóvel de hoje, existiu no mesmo ponto uma estação modesta, inaugurada em 1875 para o embarque de produtos agrícolas do município de Santa Bárbara. O vilarejo no entorno cresceu. O prédio atual foi inaugurado doze anos antes que a vila ganhasse autonomia política e administrativa, e se tornasse o município de Americana.
Obras foram orçadas em R$ 890 mil
O restauro da estação ferroviária de Americana, orçado em R$ 890 mil, está sendo bancado pela Rumo e supervisionado pelo próprio Condepham. A parceria foi anunciada ainda em março. Dois meses depois, começaram as intervenções que, em um primeiro momento, assustaram. Primeiro, a antiga passarela de pedestres da Rua Carioba, sobre a linha, precisou ser desmontada e refeita.
Depois, toda a cobertura sobre a plataforma de embarque foi removida, por conta de um incidente inesperado. No começo das intervenções, parte da estrutura desabou. Apesar da preocupação manifestada por antigos moradores nas redes sociais, a direção do conselho garante que o restauro segue critérios técnicos definidos previamente, com respeito absoluto aos traços históricos.
Americana despreza a história e perde a chance de lucrar
A preocupação atual dos moradores de Americana com a preservação do patrimônio arquitetônica comprova que o assunto, finalmente, passou a receber a atenção que merece. Não se trata apenas de promover o tombamento de construções antigas. Quando se opta pela preservação, também se cultua a história. Vamos ao caso da estação. Quantas pessoas embarcaram e desembarcaram por ali? Quantas vidas se cruzaram? Quantos migrantes chegaram em busca de trabalho e aqui construíram família? É assim. A estação guarda a epopeia de seres humanos.
Outros monumentos históricos eram igualmente importantes, mas infelizmente foram varridos do mapa. Os tratores chegaram antes da criação do conselho que, hoje, se dispõe a preservar a memória. Vamos pontuar. Como não lembrar da residência belíssima onde motou o ex-prefeito Antônio Zanaga? Ali, ao lado da Praça Comendador Müller, onde hoje existe um supermercado? O prédio foi ocupado um tempo por um pronto-socorro público. Era lindo. Mas caiu. Ficou só na memória de quem o viu. E o que falar da antiga vila operária de Carioba?
No berço da indústria americananense, resta apenas meia dúzia de imóveis históricos. Alguns transformados em ruínas. Outros ocupados irregularmente. O complexo residencial antigo, com quase 300 casas – onde moravam os operários – foi simplesmente demolido. Hoje é um descampado gigantesco. Lá foi preservada a igrejinha de São Sebastião, por pressão dos próprios católicos cariobenses, hoje espalhados por toda a cidade. Há tempo ainda – vamos rezar – de preservarmos os galpões onde funcionou a primeira tecelagem da cidade.
É preciso investir, é preciso reformar, é preciso dar finalidade cultural, dar dignidade. O que os americanenses precisam descobrir – principalmente os proprietários dos imóveis antigos – é que a preservação não representa prejuízo. É importante transformar o imóvel tombado em espaço de circulação pública. Vamos a um caso emblemático? Ao lado da prefeitura de Campinas foi construída a primeira faculdade de medicina da cidade. O prédio foi tombado como patrimônio cultural. Assumido por uma choperia famosa, o imóvel foi restaurado e virou um restaurante lindo, superfrequentado, com todos os traços arquitetônicos originais. A história preservada é incentivo à cultura e ao lazer, ao mesmo tempo que gera lucro.
CENÁRIO EM 2019 | Vitrôs de gosto duvidoso foram adptados em obra dos anos 70