Quem não foi a Berlim nas últimas três décadas e deu de cara com pedacinhos do muro que dividia a cidade na Guerra Fria, vendidos por camelôs suspeitos ou museus careiros? Ou comprou alguma quinquilharia na forma do Ampelmann, o simpático bonequinho que adorna os semáforos para pedestres nas ruas do lado comunista?
É esse turismo que a Alemanha procura agora ressignificar, às vésperas do aniversário de 30 anos da queda do símbolo máximo do tempo em que o país foi cindido: o dito muro, erguido por ordens da União Soviética e da socialista RDA (República Democrática Alemã) em 1961.
O plano não é promover a chamada “Ostalgia”, alemão para nostalgia do leste, modinha nos antigos bairros hippies, hoje redutos hipsters, de Berlim, como Prenzlauer Berg e Kreuzberg. A ideia é vender a experiência histórica.
“No décimo e no vigésimo aniversários, houve festas. Era um tempo de otimismo. Agora temos Vladimir Putin e Donald Trump, precisamos de reflexão, então queremos vender a ideia da revolução pacífica que tivemos”, diz o chefe da estatal de turismo Visit Berlin, Burkhard Kiester.
Segundo ele, a reunificação alemã de 1990 deixou “uma cidade ferida”, que só se reergueu após a Copa de 2006. Hoje, figura em rankings de destinos mais visitados da Europa.
A principal nova atração da capital é um mergulho na vida dos 40 anos em que a cidade teve uma metade controlada pela RDA, a Disneylândia para deprimidos, como era conhecida pelos locais. Trata-se do Time Ride Berlin.
Vídeos com três personagens fictícios baseados em centenas de depoimentos de moradores da época, algo soporífero na forma, mas essencial para o passo seguinte, quando você escolhe um deles para guiar sua viagem de ônibus por Berlim Oriental dos anos 1980.
Com óculos de realidade virtual, a experiência é impressionante. Dá vida àquilo que se vê nos tradicionais museus da RDA ou do muro, que continuam lá, lotados.
As cicatrizes estão por toda parte. Em Prenzlauer Berg, onde o Mauerpark (parque do muro) traz um trecho razoável da antiga construção soviética, algumas casas não restauradas são vizinhas de outras reluzentes.
A região emula outros estados da RDA e registra um fenômeno recente na política alemã, a ascensão da extrema direita personificada no partido AfD (Alternativa para a Alemanha).
Na minúscula Geisa, cartazes da AfD dividem espaço com os da Die Linke (A Esquerda), agremiação também radicalizada, mas herdeira do partido comunista que governava o leste.
Outro destaque é Erfurt, capital da Turíngia. Cidade com dotes próprios, ela abriga diversas atrações: uma antiga sinagoga descoberta atrás da parede de um restaurante, a mais conservada ponte habitada do país e uma impressionante catedral gótica do século 11.
Mas para o turista Guerra Fria, o foco é o Memorial de Andreastrasse, na rua de mesmo nome. Ali funcionava uma das prisões da Stasi, a temida polícia secreta da Alemanha Oriental.
De 1952 a 1989, essa cadeia aberta em 1747 abrigou 6.000 presos políticos. É possível visitar as masmorras e ler histórias de ex-detentos. Quando a população invadiu o prédio, em 4 de dezembro de 1989, a tentativa de queima de arquivos foi abortada, e os papéis, colocados em celas para proteger a memória dos que por lá passaram. Os selos usados nas portas são visíveis até hoje.
O prédio seguiu como cadeia até 2004, e em 2012 o museu foi aberto. Pode não ser um programa dos mais animadores, mas é fulcral para entender o contexto. Nos museus alemães, a ditadura comunista é chamada pelo nome.
Assim, alternando pérolas com excentricidades, a Alemanha tenta manter o foco em um período cada vez mais distante no retrovisor da história como alternativa para os 39 milhões de turistas que visitam o país anualmente –e o colocam no oitavo lugar no ranking mundial.