“Diz a Ela que me Viu Chorar” é mais um filme no rastro de Eduardo Coutinho (1933-2014), o mais inovador documentarista que o cinema brasileiro conheceu.
Como o diretor de “Edifício Master” (2002) costumava fazer, Maíra Bühler limitou seu filme a um local específico, o hotel social Parque Dom Pedro, no centro de São Paulo. Antes de ser desativado no início de 2017 pelo então prefeito João Doria (PSDB), o lugar integrava um programa de redução de danos voltado para usuários de drogas, especialmente de crack.
Em “Documentário Contemporâneo (2000-2016)”, um dos ensaios do livro “Nova História do Cinema Brasileiro”, o crítico Carlos Alberto Mattos escreve que Coutinho abre espaço “para a autofabulação dos personagens”.
É nesse fio que Bühler (“A Vida Privada dos Hipopótamos”) se equilibra, sem tombar para os extremos, o que daria ao filme um caráter maniqueísta. Ela jamais trata os viciados como parte de uma bandidagem a ser expurgada da sociedade, mas também se distancia do tom piedoso.
Recém-lançado como parte do projeto Sessão Vitrine, a produção expõe sinais da degradação humana, desdobramentos da dependência química, mas sem desrespeitar quem aceitou participar do filme.
Um homem enfurecido vai atrás de outro para brigar. A câmera o acompanha até determinado ponto. Não vemos o embate, apenas ouvimos a troca de agressões. Interessa ao documentário exibir aquilo que o estereótipo esconde, especialmente a solidão dos moradores e as relações de afeto entre eles.
Parece um tanto óbvio, mas talvez seja cômodo não lembrar: os usuários de crack são enigmáticos e vulneráveis como qualquer um de nós. Formada em antropologia, Bühler aprendeu a não julgar seus personagens. Prefere buscar neles uma sensibilidade esquecida.
A influência de Coutinho é inegável, mas a diretora exibe um olhar próprio. A beleza melancólica das cenas do alto do prédio que abriga o hotel evidencia um talento que merece atenção.