Não basta um filme ter direção de uma mulher e protagonista feminina para ser feminista. Não basta formar um elenco culturalmente diverso para ser expressão das minorias.
Inspirado no universo dos quadrinhos da DC, “Aves de Rapina”, que estreia nesta quinta-feira (6) nos cinemas, é um filme de sedutoras e cativantes super-heroínas.
Arlequina (Margot Robbie) é uma psiquiatra que caiu no mundo do crime pelas mãos do companheiro, o Coringa. Agora que os dois terminaram, todos os seus desafetos a ameaçam. No longa, as mulheres ficam com os personagens mais fortes: são mais inteligentes que os homens. No enredo, os pontos altos são situações resolvidas na chave da sororidade.
Ainda assim, seria possível dizer que o filme desprende-se de uma lógica masculina e branca?
“É um mundo de homens, mas ele não seria nada sem uma mulher ou uma garota”.
Esses versos de James Brown, cantados por Canário Negro (Jurnee Smollett-Bell) no filme, são repetidos três vezes numa cena emblemática de “Aves de Rapina”. Eles sintetizam alguns dos mais importantes – e contraditórios – elementos do filme.
Uma lógica musical guia a montagem, ritmando desde sequências de luta até apresentações de personagens.
Ainda, a música: não há nada de fortuito na escolha dessa canção ou de sua intérprete. Se a personagem-título tem a pele cor de pó de arroz, como o rosto dos palhaços, há entre suas parceiras uma mulher negra (Canário Negro), uma latina (a detetive Montoya) e uma asiática (Cassandra Cain).
O elenco e a escolha musical fazem parte dos esforços do filme para sintonizar-se com a diversidade do mundo contemporâneo, sob o prisma das minorias. Infelizmente, parece muito mais um esforço cosmético do que algo orgânico.
Ainda assim, cabe a pergunta: devem os critérios políticos e culturais prevalecerem na avaliação de um filme? Se elegermos parâmetros mais propriamente cinematográficos, “Aves de Rapina” não se sai muito melhor.
É um filme muito bem feito, com ritmo eletrizante e enorme sintonia com seu tempo, sobretudo no humor.
Apesar disso, é previsível, com personagens caricatos e uma estrutura muito pouco original.
Não faltam cenas de perseguição, piadas prontas, exposição do corpo feminino, lutas intermináveis. A ausência, sim, é de uma lógica mais genuinamente feminina e de fato diversa.