Uma enxurrada de novas ações trabalhistas deve ocorrer no pós-pandemia em decorrência das demissões e das medidas de flexibilização de jornada e salário nos últimos meses, avalia a presidente do TRT-15 (Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região), desembargadora Gisela Moraes.
O TRT-15 tem sede em Campinas e é responsável pelos processos de trabalhadores de 599 municípios paulistas (entre eles as cidades da região).
No primeiro semestre deste ano, o tribunal ocupou pela primeira vez em 34 anos o topo do ranking de processos julgados, elaborado pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho), superando o TRT da 2ª região – o mais antigo do Brasil, sediado na Capital paulista.
De janeiro a julho, 194.950 processos foram analisados nas varas e turmas da 15ª região. No mesmo período, o tribunal da cidade de São Paulo analisou 185.399 conflitos.
A presidente do TRT-15 atribui o resultado à rápida adaptação dos sistemas da Justiça do Trabalho à atividade remota. Desde março, servidores e magistrados de 1º e 2º grau estão trabalhando em casa.
Com a declaração da pandemia, as atividades dos tribunais de todo o País foram reduzidas e os prazos processuais ficaram suspensos até o mês de maio.
No segundo trimestre, o primeiro inteiramente sob os efeitos da crise sanitária, a produtividade do judiciário trabalhista caiu 60% na comparação com o mesmo período do ano passado, como a Folha de S. Paulo mostrou em agosto. Caiu também o volume de novas ações – a redução foi de 11% no primeiro semestre e de 19,7%, no período de abril a junho.
No TRT-15, a redução foi de 13% entre os novos processos e de 40% no número de julgamentos no primeiro semestre.
“Suspendemos os prazos processuais e boa parte das audiências no primeiro grau em 20 de março. Retomamos apenas em 4 de maio, de maneira gradual. Isso impactou o número de processos solucionados nessa instância”, diz a presidente do tribunal.
Entretanto, ela considera a queda temporária. O número menor de novas ações, afirma, está ligado a aplicação de políticas de distanciamento social. Fora do ambiente tradicional de trabalho, os profissionais deixaram de ter horas extras e adicionais, por exemplo.
“Com esse isolamento, acabou por diminuir o volume de reclamações dessa matéria que era mais corriqueira trabalhista”, diz.
O número de sentenças também deve subir, segundo a desembargadora, pois somente agora as pautas das varas trabalhistas estão sendo normalizadas, com a realização das audiências telepresenciais.
Por outro lado, afirma, já houve a percepção de um aumento de ao menos 20% nas ações por questões decorrentes da pandemia.
São pedidos de fornecimento de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), testagem para coronavírus, afastamento de profissionais da saúde pertencentes a grupos de risco e questões previstas na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), como a liberação de FGTS.
Para a presidente do tribunal da 15ª Região, a flexibilização da legislação trabalhista para conter demissões começa a mostrar efeito sobre o judiciário, uma vez que as regras são complexas, gerando interpretações diversas.
“No calor da coisa, a empresa coloca o empregado em situações que não correspondem ao que está permitido. Tem que ter prazo, ter que ter uma adequação do trabalho. É tudo muito novo”, diz.
Outro movimento relevante para a enxurrada de novas ações virá das demissões.
“A gente sabe que muitos empregadores ficaram em situações extremamente delicadas financeiramente e outros até tiveram seus negócios encerrados por não conseguir sobreviver a tanto tempo de crise. Tudo isso vai gerar um comando processual”, afirma a desembargadora.
“Muitas empresas tiveram que fechar as portas e, muitas vezes, sem condição financeira de arcar”, afirmou.
Gisela diz que as centrais de conciliação terão papel importante para atender o volume processual do pós-pandemia – e elas também deverão ficar sobrecarregadas.
“Os 15 núcleos (de conciliação) vão trabalhar para que ninguém saia lesado, que dê oportunidade para esse empregador que está passando por uma situação financeira extremamente difícil pagar, e também para que o empregado não fique sem receber nada.”
De janeiro a julho, 16.828 audiências foram realizadas, das quais resultaram 7.913 acordos, num total de R$ 464,9 milhões em verbas trabalhistas acertadas.
O tribunal regional da 2ª Região, na Capital, afirmou em nota que atuou durante a maior parte do primeiro semestre em regime especial de teletrabalho em “meio a uma pandemia cujo epicentro inicial foi exatamente a área de jurisdição do TRT-2”.
“Naturalmente, alguns números foram impactados, mas o TRT-2 segue sendo o tribunal com os números mais altos, o que é o esperado, haja vista seu porte.”