sábado, 15 novembro 2025
RESISTÊNCIA

A ancestralidade de força e cultura transmitida às mulheres da região reforça a importância da tradição na identidade negra

Em 2025, será apenas o segundo ano em que o Dia da Consciência Negra será feriado nacional em todos os municípios do país
Por
Nicoly Maia
Eliane Raquel Batista de Sousa, conhecida como Preta do Acarajé, atual moradora de Santa Bárbara d’Oeste. Foto: Ana Machado/TV TODODIA

O dia 20 de novembro é dedicado àqueles que persistiram, que lutaram e que seguem buscando o reconhecimento das conquistas sociais e das batalhas enfrentadas por homens e mulheres negras ao longo da história. Em 2025, será apenas o segundo ano em que o Dia da Consciência Negra será feriado nacional em todos os municípios do país.

De acordo com o Censo do IBGE de 2022, Santa Bárbara d’Oeste possui 10.253 pessoas pretas e 52.531 pessoas pardas, o que representa 34% da população. Em Americana, são 10.855 pessoas pretas e 56.832 pardas, cerca de 28% da população.

“Com quantas lutas nós, negras, tivemos que chegar. Enfrentamos tantas coisas e ainda enfrentamos para estar onde estamos. Então, 20 de novembro não é só para fazer festa. Precisamos ser lembradas sempre. E eu me orgulho muito do que sou: essa baiana de acarajé”, afirma Eliane Raquel Batista de Sousa, conhecida como Preta do Acarajé, atual moradora de Santa Bárbara d’Oeste.

Preta, como gosta de ser chamada, tem na luta da mulher negra sua trajetória de vida e reforça: “Se a gente quiser, a gente faz tudo. Nós tornamos tudo, contanto que a gente vá à luta. E precisamos ter voz, voz para mandar também. A mulher tem que mandar também, tem que estar onde ela quiser”, completa.

História
Vestida de baiana, com saia branca, blusa vermelha e lenço na cabeça, Eliane Raquel Batista de Sousa, a Preta do Acarajé, chegou a Santa Bárbara d’Oeste há oito anos. Vinda de Salvador (BA), mudou-se para encontrar seu atual marido. Foi quando sentiu saudade da comida típica da terra que sua história na cidade começou.

“Eu tive vontade de comer acarajé com o gostinho da minha terra, e eu nunca encontrava aqui. Uma vez, fomos a Campinas e, quando cheguei ao Mercadão, eu disse: ‘Gente, tudo isso aqui é para fazer meu acarajé’. Mandei pegar feijão-fradinho, azeite de dendê, camarão seco, castanha, amendoim, tudo. Cheguei em casa, liguei para uma amiga baiana de acarajé, lá de Salvador, e ela me explicou tudo. Aí eu fiz.”

Com o dom da cozinha vindo de gerações, Eliane buscava empreender na nova cidade e decidiu vender acarajé, dando origem ao negócio que mais tarde receberia o nome Sabores da Preta.

“Eu coloquei o meu DDD 071 e o acarajé. Ainda não tinha o nome Sabores da Preta. E, pelo DDD, as pessoas diziam: ‘Essa é da Bahia’. Aí comecei a comercializar e seguimos adiante.”

Ancestralidade
A história de Preta do Acarajé começa muito antes dela. Sua avó, filha de pais vindos da África, já vendia acarajé. “Ela pegava suas panelas, seu tacho, um fogareiro de carvão, sentava, abanava e começava a comercializar o acarajé. Eu vim saber disso depois, lembrar dessa cena. E era minha avó, baiana de acarajé.”

Carregada por essa ancestralidade e pela resistência que viu na família, Eliane buscou algo além do comércio: “Eu não queria só vender acarajé por ser baiana. Fui buscar a valorização das mulheres negras de Salvador que vendem acarajé.”

Mesmo pequena, a Preta do Acarajé lembra até hoje das baianas: “Eu pegava ônibus com meu irmão para ir à escola e via aquelas baianas de acarajé em cada ponto. Eu fazia uma viagem no tempo. E hoje estou aqui, baiana de acarajé, na cidade de Santa Bárbara d’Oeste.”

Preconceito
A história de Americana e Santa Bárbara d’Oeste está profundamente ligada à chegada, a partir de 1865, de imigrantes sulistas dos Estados Unidos — ex-combatentes e famílias derrotadas na Guerra de Secessão. Eram majoritariamente confederados que defendiam a escravidão e deixaram o sul dos EUA após a abolição forçada, a perda das plantações e a devastação econômica. A vinda deles ao Brasil foi estimulada pelo Império, que buscava substituir a mão de obra escravizada e modernizar a agricultura, conforme consta nas histórias disponíveis nos portais das prefeituras de Americana e Santa Bárbara d’Oeste.

Há oito anos trabalhando na cidade, Eliane percebe que o racismo persiste, também fruto do racismo estrutural presente no município, herança de sua formação. “Hoje, o preconceito é colocado suavemente, com pano por cima. Algumas pessoas falam achando que eu não vou perceber. Mas aí eu digo: ‘Opa, vamos parar. Preciso te explicar uma coisa’.”

Ela relata um episódio no Mercadão da cidade, onde teve um ponto de venda de acarajé por dois anos: “Uma vez, uma pessoa me chamou de ‘negrinha’. Perguntei por que estava me chamando assim. Pedi o nome e o sobrenome dele e disse: ‘Eu também tenho nome e sobrenome. Meu nome é Eliane Raquel Batista de Sousa. Eu não sou negrinha’. Aí ele pediu desculpas. Eu expliquei: quando falar comigo, me chame de Preta ou de Eliane Raquel. Racismo é racismo de qualquer forma.”

A mulher na sociedade

Para Preta, a luta das mulheres é constante dentro e fora de casa. Ela ressalta que a violência doméstica não se limita à agressão física. “Violência doméstica não é só bater”, diz. Segundo ela, insultos, apelidos pejorativos e tentativas de silenciamento também fazem parte desse cenário.

Em seu trabalho como educadora — profissão que exerceu na Bahia —, Preta conta que sempre buscou conscientizar suas alunas e outras mulheres ao redor. Para ela, muitas não são “ignorantes” por falta de estudo, mas porque “nunca tiveram alguém que abrisse uma porta e dissesse: ‘Venha, eu te ensino’”.

Ao compartilhar a mensagem que aprendeu com a mãe com outras mulheres no Dia da Consciência Negra, afirma: “Nunca desista de nada. Lute pelos seus objetivos. Não tenha medo e, quando a dificuldade chegar, tenha menos medo ainda.”

Preta reforça que as mulheres precisam continuar tendo voz e ocupando espaços. Na avaliação dela, ainda há muito a conquistar, e cada passo depende da coragem de estar onde se deseja, “lutando pelos nossos objetivos”.

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