sexta-feira, 19 abril 2024

‘Aconteceram muitas cenas horríveis’

A pandemia do coronavírus completou um ano em Americana nesta semana com medos, angústias e incertezas fazendo parte da rotina de profissionais da linha de frente. Sentimentos que estavam presentes desde o primeiro caso na cidade e que estão mais vivos do que nunca no dia a dia de quem trabalha em hospitais no momento mais crítico da pandemia até agora.
O primeiro caso confirmado pela prefeitura foi em 23 de março, do empresário Gustavo Azzolini, 41, diretor administrativo da FAM (Faculdade de Americana), que chegou a ficar internado. Seu sogro, e diretor geral da FAM, Florindo Corral, 70, também foi infectado e não resistiu, falecendo em 3 de abril de 2020 devido à doença.
No mesmo dia, a prefeitura confirmou que o coronavírus havia causado o primeiro óbito na cidade, de um homem de 64 anos, que havia falecido em 27 de março. A morte ainda era considerada suspeita.
Um ano depois, são mais de 13 mil infectados e 339 mortes, média próxima a uma morte por dia. A reportagem conversou com duas enfermeiras do HM (Hospital Municipal Dr. Waldemar Tebaldi), que narraram o sentimento na chegada da pandemia e a preocupação com o pico atual.
A enfermeira Elis Anne Porfírio, 29, se lembra do início da pandemia. “Era uma doença nova da qual não sabíamos nada praticamente, a única certeza era de que o contágio era fácil, pois de uma hora pra outra lotou de pacientes”.
Elis descreve a sensação para todos da Saúde na época. “Era de desespero por não saber muito sobre a doença, forma de contágio, qual era o melhor tipo de tratamento”.
Elis diz ter presenciado um dos primeiros óbitos de coronavírus da cidade. “Um paciente jovem, que trabalhava no supermercado Crema. Foi muito difícil constatar que aquela doença realmente matava as pessoas, a forma como o paciente foi evoluindo para pior, uma tristeza sem tamanho”.
A enfermeira ressalta que a perda de um paciente traz o sentimento de inutilidade. “A sensação de desânimo e frustração é enorme. De lá pra cá perdi a conta de quantos pacientes evoluíram para óbito por conta da pandemia”.
Para a profissional de saúde, a estrutura de Americana não estava preparada e até hoje ainda não está. “Ficaram na negação da doença até o último momento, mesmo sendo alertados por autoridades no assunto de que era questão de tempo para vir um pico de contaminações que demandariam mais leitos, mais profissionais, mais estrutura”.
Elis afirma que lidar com a imprevisibilidade foi e ainda está sendo exaustivo. “Desgasta muito emocionalmente, porque sabemos o correto a ser feito com relação à assistência ao paciente e em muitos momentos não é possível realizar a assistência adequadamente devido a falta de estrutura, número adequado de profissionais, de equipamentos”.
A enfermeira diz que tinha muita esperança na vacina e não imaginava que a vacinação ia “emperrar” no país. “Jamais imaginei que a pandemia se estenderia por tanto tempo. E pior, que viria a se tornar mais grave agora”. Elis também cita o presidente Jair Bolsonaro como um dos grandes responsáveis pela crise da pandemia no país.
“O comportamento dele é repugnante. Estaríamos bem melhor se tivesse tido uma postura mais científica, sensata, ao lidar com a pandemia. As atitudes iriam refletir em estados, municípios e no comportamento de muitos cidadãos, que passariam a evitar comportamentos de riscos auxiliando na não disseminação do vírus”, finaliza.

ASSUSTADOR

Outra enfermeira do HM, que pediu para não ser identificada, disse que “era uma grande bagunça” no início da pandemia. “Trouxeram muitos médicos terceirizados de fora, inexperientes, teve muitas negligências. Foi difícil lidar, nossos médicos concursados daqui seguiam tudo certo, mas os outros, era complicado. Antes queriam economizar em usar teste rápido, cortar gastos com funcionários, hoje está melhor, mais sincronizado”.
A enfermeira diz que o psicológico dos profissionais de saúde está cada vez mais abalado. “A gente não imaginava que ia durar todo este tempo”. E se lembra dos primeiros dias de pandemia em Americana. “Era assustador. Porque chegava uma pessoa sem ar e você tinha que intubar imediatamente. Tinha caso que demorava um pouco e o paciente falecia. Aconteceram muitas cenas horríveis”.
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