domingo, 9 novembro 2025
EDUCAÇÃO

Entre rios e livros: a travessia do aluno indígena Naldo Tukano até a Unicamp

Por
Diego Rodrigues

De uma pequena comunidade chamada Pari Cachoeira, em São Gabriel da Cachoeira (AM), até as salas da Unicmp (Universidade Estadual de Campinas), em Campinas, o caminho percorrido por Naldo Tukano, estudante de Linguística, foi longo e repleto de desafios. “Foi um processo trabalhoso, com muita articulação e ajuda de vários parceiros, professores e pessoas diferentes”, conta o jovem, integrante do povo Tukano, que hoje vive em Campinas.

O ingresso de Naldo na universidade foi possível graças ao vestibular indígena, criado para ampliar o acesso e a representatividade de povos originários no ensino superior. “Sempre fui muito incentivado pelos meus pais, principalmente pela minha mãe, a estudar. Por muito tempo vivi isolado, sem saber como era o mundo fora da comunidade”, lembra.

Ao se inscrever, acreditava estar prestando o curso de Letras, mas acabou se encontrando na Linguística, área que despertou seu interesse pela preservação das línguas indígenas. “Hoje trabalho com pesquisa voltada à inserção dessas línguas nas plataformas digitais, à afirmação, revitalização e às políticas linguísticas. Me encontrei nesse campo”, explica.

Mesmo longe da comunidade, Naldo e outros estudantes indígenas mantêm vivas suas tradições. Foto: Guilherme Pierangeli/TV TODODIA

Preservação e resistência
Naldo faz parte do JT Nacional da Década das Línguas Indígenas, proclamada pela Unesco, e tem atuado na defesa da diversidade linguística no Brasil. Ele destaca que muitas línguas correm risco de desaparecer. “Em cerca de 40 anos, metade delas pode desaparecer. Meu papel, como estudante, é ajudar a preservar essas línguas e gerar políticas públicas que as fortaleçam na educação, na saúde e em outros espaços”, afirma.

A língua de sua comunidade, o Pamarsã, conhecido no ocidente como Tucano, ainda é falada, mas enfrenta ameaças. “A nova geração tem menos contato, e isso preocupa. Mesmo com os esforços de preservação, a perda linguística é real”, diz.

Desafios da permanência
A distância de mais de 3 mil quilômetros até Campinas não é o único obstáculo. Segundo Naldo, as condições de permanência ainda são um desafio para os estudantes indígenas. “Durante muito tempo não tivemos apoio institucional. Hoje, depois de muita luta, conseguimos um auxílio emergencial e moradia estudantil, mas ainda é difícil se manter com a estrutura atual”, relata.

A adaptação à vida urbana também exigiu mudanças na rotina e na alimentação. “A base da nossa comida é o peixe, o beiju, o mingau, o açaí, a farinha. Foi complicado se adaptar. Sinto falta da minha região, de tomar banho de rio e comer um beiju”, conta, com saudade.

Estudantes indígenas participam de encontro nacional. Foto: Divulgação/Unicamp

Tradições mantidas longe de casa
Mesmo longe da comunidade, Naldo e outros estudantes indígenas mantêm vivas suas tradições. “Nos reunimos, compramos peixe e mandioca, fazemos comida coletiva, falamos nossas línguas e matamos um pouco da saudade. Tentamos manter a cultura viva com o que temos aqui”, relata.

Campinas, segundo ele, acolheu bem o grupo. “Hoje já é permitido fazer fogo em alguns locais da universidade. No começo, achavam que era bagunça, mas agora entendem que faz parte da nossa cultura.”

Tradição marca a história de vida dos estudantes indígenas. Foto: Divulgação/Unicamp

Educação e futuro
Para Naldo, ocupar o espaço universitário é um ato político e histórico. “A universidade foi negada aos povos indígenas por muito tempo. Nós somos fruto da luta dos nossos antepassados. Hoje podemos debater de igual para igual e fazer ciência sobre nós mesmos”, destaca.

Com planos de seguir na vida acadêmica, o estudante sonha em retornar à sua comunidade e continuar a pesquisa em campo. “Quero fazer mestrado, doutorado e, ao mesmo tempo, voltar para o meu território. Quero trabalhar lá, pescar, plantar e viver a cultura de novo. Hoje, com a internet, dá para seguir pesquisando à distância.”

Apesar das conquistas, ele manifesta preocupação com a assimilação acelerada à cultura dominante. “Estamos nos adaptando rapidamente ao sistema, mas precisamos continuar afirmando nossa cultura em todos os espaços — escolas, universidades, saúde. Nosso objetivo é sobreviver e resistir. Só assim continuaremos existindo de fato.”

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