sexta-feira, 19 abril 2024

Dia das Bruxas: “apropriação” ou intercâmbio cultural?

Professor da Etec Polivalente analisa que a adoção da data no Brasil é parte da transmissão cultural 

Movimentação nas lojas para as compras de Halloween (Foto: Divulgação)

As abóboras, bruxas e zumbis, além dos doces, tomaram as vitrines e decorações na última semana, antecedendo o halloween (ou Dia das Bruxas), celebrado em 31 de outubro. Numa tentativa de resgatar também o folclore brasileiro, no mesmo dia foi instituído o Dia do Saci-Pererê, por lei federal de 2003.

Não se trata de uma apropriação, mas de um intercâmbio cultural, como analisa Felipe Gomes de Assis, professor de História e Sociologia nas Etec Polivalente de Americana e de Nova Odessa. Apesar de popularizado pelos Estados Unidos da forma que recebemos no Brasil, o halloween também foi adotado naquele país a partir de práticas e crenças de escoceses e principalmente irlandeses. Imigrantes europeus levaram consigo a cultura, com raízes religiosas e ligadas ao dia dos mortos, numa prática que foi adaptada em solo norte-americano.
Para o professor, a adoção dessa prática no Brasil faz parte do dinamismo da recepção e transmissão cultural, em tempos em que a disseminação é intensificada pelos acessos aos meios tecnológicos e velocidade da informação. E, é claro, considerando também o poder de uma potência como os Estados Unidos em espalhar os seus costumes mundo afora, desde a época em que a TV era o principal meio de se obter informação.
O fato de se dedicar a aprender outra língua já é um ato de imersão cultural, como ressalta o professor. Embora personagens folclóricos do Brasil pareçam eventualmente esquecidos, há tradições fortes e práticas que persistem, como a literatura de cordel e as festas juninas, listadas por ele. Outras são mais regionalizadas, além daquelas que têm sido ignoradas diante da tentativa histórica de apagamento, como as indígenas e africanas. “A capoeira, que é uma tradição dessas matrizes, chegou a ser considerada crime de vadiagem, ou seja, uma negação como política de Estado”, cita.
Ao mesmo tempo em que o brasileiro está de braços abertos para práticas ou produções estrangeiras, também exporta o churrasco, pão de queijo e a cachaça, além do carnaval. A música brasileira também é um item em alta mundo afora em grandes centros de estudos, pela sua complexidade, como pontua Assis. Ao se reconhecer em personagens, o brasileiro também adota vários deles, como os do Chaves. O professor lembra que, apesar de ser um seriado mexicano, há uma empatia nos tipos, como a mãe, o pai endividado, passando pelos desafios do professor.

MORTE LÁ E CÁ
Já as práticas em relação à memória dos falecidos divergem bastante entre as culturas. O Brasil não adotou meios mais festivos de celebrar seus mortos. Por aqui prevalecem as missas, cultos e visitas silenciosas com flores e velas, depositadas também nos cruzeiros. No México, o Dia de los Muertos mobiliza famílias além das flores, com cores, comes e bebes, e até mesmo exumações, conforme o professor. O próprio halloween tinha um caráter mais religioso nesse sentido quando chegou aos Estados Unidos, salienta.
VIRTUDES E VÍCIOS
O professor relativiza termos e conceitos como “imperialismo americano” e “colonização cultural”, ao menos em tempos como os atuais, nos quais é possível ter acesso a praticamente todo tipo de cultura, sem restrições a uma única. A tecnologia é responsável por contribuir na aproximação de mundos. Mas também chama atenção o distanciamento do brasileiro com o seu passado. Nem sempre o contexto e importância históricos de personagens tupiniquins estão na ponta da língua. O professor pontua que a cultura também é usada como estratégia de poder – seja para popularização ou ocultamento. E, nisso, vê uma necessidade do brasileiro mergulhar mais na própria história, resgatando suas origens e mitos. “Ainda lidamos mal com o nosso passado, com o qual precisamos nos reconciliar”, afirma.

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