domingo, 16 novembro 2025
INCLUSÃO

Entre vozes ancestrais e novos saberes, a trajetória da estudante indígena Daniela Villegas na Unicamp

Daniela cursa Estudos Literários no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, onde chegou em 2019
Por
Diego Rodrigues

Entre livros, poesias e vozes ancestrais, está Daniela Villegas, de 30 anos. Vinda de São Gabriel da Cachoeira, no noroeste do Amazonas, ela carrega consigo a força e a delicadeza do povo Tukano. Hoje, cursa Estudos Literários no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, onde chegou em 2019 pela primeira turma do Vestibular Indígena.

“Chegar até aqui foi muito difícil. No começo, a universidade ainda não sabia bem como acolher os estudantes indígenas, não só dentro do campus, mas também nas áreas urbanas, como Barão Geraldo e Limeira. Com o tempo, isso foi melhorando”, conta Daniela.

Ela explica que, aos poucos, uma comunidade indígena vem se formando dentro da universidade. Muitos estudantes chegam acompanhados da família, o que torna a adaptação ainda mais desafiadora. “Morar em uma área urbana é difícil, mas a gente tenta manter a tradição longe de casa. Quando saímos, levamos conosco nossos costumes e nossa forma de viver”, afirma.

Daniela se sente mais à vontade quando está com outros estudantes de São Gabriel da Cachoeira, por compartilharem referências e modos de vida semelhantes. Foto: Guilherme Pierangeli/TV TODODIA

Acolhimento e desafios
Apesar do avanço das políticas de inclusão, o sentimento de isolamento ainda é uma realidade para muitos estudantes indígenas. Daniela lembra do início da jornada com um misto de orgulho e solidão. “Mesmo com acolhimento e pessoas incríveis ao redor, há um vazio dentro da gente. É por isso que ter vínculos próximos é essencial”, diz.

Daniela se sente mais à vontade quando está com outros estudantes de São Gabriel da Cachoeira, por compartilharem referências e modos de vida semelhantes. “Por mais que sejamos todos indígenas, há uma diversidade de etnias e culturas. As pessoas da minha região me compreendem melhor.”

Preparação espiritual
Antes de deixar sua comunidade, Daniela recebeu da mãe uma preparação espiritual para a nova etapa. Assim que soube da aprovação, iniciou um jejum como forma de proteção. “Minha mãe me orientou a começar o jejum porque, se eu passasse, já viria protegida. Passei por esse processo sem saber se viria, mas me resguardei. Talvez por isso eu quase não fico doente aqui”, conta.

Mesmo distante da aldeia, ela procura manter o vínculo espiritual. “Esses benzimentos têm um tempo, então às vezes preciso voltar à comunidade para renovar essa energia. Cada vez que volto, me sinto renovada. A vida urbana absorve muito a gente.”

Apesar do avanço das políticas de inclusão, o sentimento de isolamento ainda é uma realidade para muitos estudantes indígenas. Foto: Divulgação/Unicamp

Distância e saudade
A distância da comunidade é um dos maiores desafios. Em cinco anos vivendo em Campinas, Daniela conseguiu voltar apenas três vezes. “Sinto falta da minha gente, da quiampira, do chibé, do beiju, da comida feita pela minha mãe. Aqui a gente come muita coisa industrializada, e isso mexe com o corpo e com o espírito”, relata.

Ela aprendeu a lidar com a saudade de forma prática. “Quando der pra ir, eu vou, vivo intensamente o momento lá e depois volto fortalecida.”

Solidão e permanência
Para Daniela, a solidão é um dos principais motivos de evasão entre estudantes indígenas. “Por mais que hoje existam cerca de 400 estudantes indígenas na Unicamp, era pra ter mais. Da nossa primeira turma, muitos desistiram por conta da solidão e do isolamento”, afirma.

Manter viva a cultura
Mesmo com a rotina intensa de estudos, Daniela e os colegas se esforçam para preservar as tradições. “Quando dá, a gente se encontra nos fins de semana. Tentamos recriar um pouco da vida comunitária, cozinhar juntos, conversar, fazer o que faríamos na aldeia”, conta.

Esses momentos coletivos ajudam a fortalecer a identidade e a lidar com a saudade. “É um jeito de continuar sendo quem somos, longe de casa.”

Na universidade, Daniela pesquisa literatura e produz filmes sobre a presença indígena no ambiente acadêmico. Ela acredita que o conhecimento adquirido é uma ferramenta de fortalecimento coletivo. Foto: Divulgação/Unicamp

Conhecimento como resistência
Na universidade, Daniela pesquisa literatura e produz filmes sobre a presença indígena no ambiente acadêmico. Ela acredita que o conhecimento adquirido é uma ferramenta de fortalecimento coletivo. “Eu estou fazendo filmes e pesquisando nossa etnografia do nosso ponto de vista. Assim mostramos que também fazemos ciência, do nosso jeito”, explica.

Para ela, ocupar o espaço universitário é tanto uma conquista quanto uma responsabilidade. “Estar na Unicamp é um privilégio e uma responsabilidade. A permanência é tão difícil quanto o ingresso”, afirma.

Olhar para o futuro
Daniela pretende seguir a carreira acadêmica e continuar estudando. “Quero terminar a graduação e emendar o mestrado. Depois, o futuro pertence ao destino. Onde eu for aceita, eu vou”, diz.

Com determinação e esperança, ela segue firme. “Nada impede ninguém de sonhar alto. O caminho até a formatura é longo, exige força e foco. Quando a gente cria um objetivo e se mantém firme, consegue resistir.”

Entre as salas de aula da Unicamp e as lembranças da aldeia, Daniela segue tecendo pontes entre mundos. Em cada passo, reafirma a presença indígena dentro da universidade e mostra que o saber também é uma forma de resistência.

Receba as notícias do Todo Dia no seu e-mail
Captcha obrigatório

Veja Também

Veja Também