No dia dedicado aos mestres, veja reflexões de docentes da região diante dos desafios dos novos tempos
Andreza Amábile Lorena, professora de matemática da escola Dirceu Dias Carneiro, de Santa Bárbara d’Oeste, chama atenção para o desafio de orientar alunos e familiares à distância, uma tarefa que os docentes “ganharam”.
“A partir da experiência no meu meio de atuação, onde as dificuldades vão além do acesso digital, o desafio não foi somente ensinar o conteúdo através desse meio, mas vivenciar as diversas dificuldades que envolvem a orientação das famílias e alunos, como a construção de uma mentalidade onde a internet deve ser utilizada como ferramenta pedagógica e não como forma de entretenimento”, analisa. Para ela, com a retomada, a interação entre professor e aluno em sala de aula agora se faz ainda mais necessária.
OLHO NO OLHO
“A frustração por não conseguirmos atingir a todos, o trabalho envolvendo discentes e docentes com a saúde mental fragilizada e a necessidade de investimento financeiro para que tivéssemos uma estrutura mínima para trabalhar em casa são algumas das situações que enfrentamos. Embora equipes pedagógicas das escolas públicas tenham trabalhado incansavelmente para garantir a aprendizagem, não me parece que o governo estadual tenha compreendido o contexto de uma pandemia e o desgaste que isso implica. Fomos tomados por uma carga burocrática de trabalho e que precisava se aliar à publicação e correção de atividades. Exaustão é a palavra”.
O desabafo é de Wellington Aires da Cruz Pereira, professor de Língua Portuguesa, Língua Inglesa e Sociologia em três instituições de Americana (Colégio Antares, Etec Polivalente e Fatec).
Apesar dos perrengues, ele comemora o retorno presencial, já que “a educação também acontece na interação, na troca, na convivência”, apesar do receio pela falta de estrutura, sobretudo em recursos humanos, para uma retomada segura. E chama atenção para o aumento do abismo entre as escolas públicas e particulares.
Se já era notória a diferença de acesso a equipamentos para as aulas, a queda de investimentos na educação pública é outro fator de preocupação.
“Mesmo redes que contaram com adaptação tecnológica mais eficiente, não conseguiram garantir a frequência às aulas on-line. Consequências disso serão sentidas por anos”, prevê.
Apesar de usado como alternativa na pandemia, o ensino remoto não é o ideal, como opina.
“Nada substitui o contato humano, o olho no olho. Professores não são simplesmente ‘dadores’ de aula. Todos os dias, com sensibilidade, observamos os estudantes, procurando entender como aprendem e o que sentem. É só na sala de aula que me sinto realmente desempenhando o meu papel. O ensino remoto foi necessário e, em alguns casos, ainda é. Tenho enorme respeito pelas famílias que optam por não enviar seus filhos à escola agora. Como professor, no entanto, só me sinto feliz em sala de aula. E, pelo olhar dos meus alunos e das minhas alunas, posso dizer que eles também”.
SOCIOEMOCIONAL
O lado socioemocional é o que ainda vai desafiar no contexto com os alunos, como prevê a professora Waldirene Dias Guimarães, que dá aulas de Língua Portuguesa no ensino fundamental I do Sesi Machadinho.
“Tivemos que redirecionar nosso trabalho para priorizar as competências socioemocionais como empatia, respeito, confiança, tolerância ao estresse, autoconfiança, curiosidade para aprender. Igualmente preocupante é a lacuna de aprendizagem que os alunos enfrentam no retorno. Mesmo que tenhamos oferecido boas propostas pelo ensino remoto, não conseguimos garantir o acesso e mobilização de todos os estudantes. Elaboramos um plano de aprofundamento para garantir a retomada de algumas expectativas de aprendizagem”, declara, sobre as demandas que os efeitos da pandemia ainda impõem.
PERDAS
Longe das salas, mas com o perigo que ronda. Desta forma os professores lidaram com a mudança abrupta de rotina, traumática tanto para eles quanto para os alunos.
A implicação para os jovens é lembrada pelo professor Felipe Gomes de Assis, que leciona História, Filosofia e Sociologia na Etec Polivalente de Americana e Etec Ferrucio Humberto Gazzetta, de Nova Odessa.
“Nos reinventamos em tempo recorde, transformamos nossos lares em nossas salas de aula e enquanto isso perdíamos amigos, colegas de profissão, parentes e víamos os nossos alunos e alunas enfrentando desde cedo a duríssima rotina de conviver com perdas, com a necessidade de auxiliar com os afazeres da casa, assumindo responsabilidades que foram antecipadas em virtude da pandemia, além de tentar se equilibrar com as atividades escolares”.
O custo físico e emocional de preparação das atividades sem descanso também é pontuado por ele, num esforço que precisa ser reconhecido, já que a importância da Educação foi ofuscada enquanto se priorizava um plano de retomada econômica. “Não atender um aluno ou aluna em um final de semana significaria contar com o risco de que aquele seria o único momento de atendê-los; não fazê-lo significaria perdê-lo (em termos pedagógicos, talvez para sempre)”.
Ele convida à reflexão sobre a escola desejada diante de um futuro de incertezas. “A escola é o lugar em que o ideal torna-se possível. Será preciso esforço monumental para que a educação possa continuar cumprindo com seu papel, mas esse esforço a sociedade precisa compreender como uma necessidade coletiva. Precisamos urgentemente pactuar que o zelo pela educação parte do esforço e da contribuição de cada um de nós. É preciso proteger a escola, pois só assim cuidaremos do presente; o futuro será consequência das escolhas e omissões que enquanto sociedade fizermos hoje”.