
Mesmo fora do Mapa da Fome, o Brasil ainda enfrenta dificuldades para garantir acesso a alimentos de qualidade, esta realidade se reflete nos municípios da região de cobertura da TV TODODIA. Dados recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que quase metade das cidades brasileiras não possui uma estrutura específica voltada à política de segurança alimentar e nutricional.
O levantamento faz parte de um suplemento especial das pesquisas Munic e Estadic, criado em 2024 para mapear como estados e municípios organizam ações relacionadas ao tema.
Cenário da região
Na região, o cenário é divergente. Até o momento do levantamento, Americana, Campinas e Piracicaba informaram possuir setores voltados à segurança alimentar, geralmente vinculados às secretarias de Assistência Social. Hortolândia adota um modelo diferenciado, com a política ligada a outra secretaria. Já Nova Odessa, Paulínia e Santa Bárbara declararam não ter uma estrutura específica para tratar o tema.
Quando se observa a concessão de benefícios eventuais, como a distribuição de cestas básicas, apenas Hortolândia e Piracicaba informaram ao IBGE a oferta desse tipo de auxílio em 2023. Em outros municípios, os dados não foram informados.
O que dizem os especialistas?
Especialistas alertam que a ausência de uma estrutura formal não significa, necessariamente, inexistência de ações, mas compromete o planejamento de longo prazo. Sem orçamento definido, articulação entre secretarias e políticas integradas, o enfrentamento da insegurança alimentar tende a se limitar a medidas emergenciais.
“Se você não tem uma estrutura de segurança alimentar consolidada, a cada ano não sabe como as ações vão acontecer, e a população também fica à mercê de haver ou não atendimento, do que será ou não prioridade naquele ano”, afirma a coordenadora de alimentação saudável de Campinas, Gabriela Kaiser.
Piracicaba é apontada como um exemplo de estruturação da política de segurança alimentar. O município mantém, há mais de 20 anos, um Conselho Municipal que atua de forma intersetorial, envolvendo diferentes áreas da administração pública. Entre as iniciativas estão projetos de hortas comunitárias, fortalecimento de feiras livres, ações de educação alimentar e políticas voltadas à primeira infância e à população em situação de vulnerabilidade.
“A ideia da segurança alimentar é promover a soberania alimentar dos indivíduos, para que a prefeitura nem precise manter um setor de assistencialismo desse nível para suprir o que falta dentro da política de segurança alimentar. Aqui em Piracicaba, conseguimos avançar bastante: o conselho já tem mais de 20 anos”, afirma Débora Gouveia, conselheira do Comsea de Piracicaba.
Apesar disso, a cidade vive um momento de tensão após a aprovação de uma lei municipal que impõe regras mais rígidas para a doação de alimentos. Conselhos e entidades da sociedade civil avaliam a medida como um retrocesso e questionam possíveis inconstitucionalidades.
A legislação já está em vigor e tem sido alvo de críticas por dificultar ações solidárias e de combate ao desperdício. “Este PL, embora afirme não ser restritivo à doação de alimentos, impõe uma burocratização excessiva. No fim, ninguém vai se colocar em risco, sujeito a multas de R$3 mil e até R$6 mil em caso de reincidência, para realizar o básico”, afirma a conselheira.
Exemplos que deram certo
Em Campinas, a política de segurança alimentar é integrada a diversas áreas da administração municipal. Um dos principais desafios é identificar com precisão onde estão as famílias em situação de insegurança alimentar e garantir acesso descentralizado aos alimentos, especialmente em regiões mais afastadas do centro. Outro ponto de atenção é o período de férias escolares, quando crianças deixam de contar com a merenda, o que reforça a necessidade de políticas complementares.
Para especialistas e conselheiros, o fortalecimento da segurança alimentar passa, também, pela participação ativa da sociedade civil. Iniciativas como hortas comunitárias, educação alimentar, combate ao desperdício e atuação nos conselhos municipais são apontadas como caminhos possíveis.
“Quando a sociedade civil participa mais dos espaços de audiências públicas e dos conselhos, que são os espaços que temos para expressar opiniões e exercer a participação social, como também nas conferências, esse é o movimento necessário. É preciso olhar para o combate ao desperdício de alimentos. Quando desperdiçamos comida dentro da nossa própria casa, é importante lembrar da necessidade de fazer escolhas mais inteligentes e de não reproduzir esse desperdício em outros espaços”, afirma Gabriela Kaiser.
A criação e o fortalecimento de câmaras intersetoriais permitem, ainda, maior acesso a recursos estaduais e federais e ampliam a capacidade de planejamento dos municípios.





