quarta-feira, 24 abril 2024

Famílias vivem incerteza do novo Auxílio Brasil

Indefinição surge após o fim do auxílio emergencial; em Americana, são 12 mil famílias inscritas no CadÚnico, cadastro do governo federal para beneficiários de programas sociais  

Manifestação | Protesto em São Paulo no último sábado contra a carestia nos preços no país (Foto: Elineudo Meira/ @fotografia.75)

FLAVIA KUROTORI
Folhapress

O fim do auxílio emergencial e as incertezas ligadas ao início do Auxilio Brasil – cuja promessa do governo de pagar R$ 400 por família não deve ser cumprida ao menos neste mês de novembro -, fazem com que milhares de famílias vivam sem saber se terão alguma renda para conseguir fechar as contas do mês.

Só na capital paulista, a Prefeitura de São Paulo diz que pelo menos 114 mil famílias esperam a inclusão no CadÚnico para ter direito ao Auxílio Brasil, que irá substituir o Bolsa Família a partir desta quarta-feira (17). Isso porque, desde abril, quando o auxílio emergencial 2021 começou a ser pago, o Ministério da Cidadania suspendeu a inclusão de novos beneficiários.

O governo federal assegura que todas as pessoas que já recebiam o Bolsa Família e estão com os dados do CadÚnico atualizados vão fazer parte do novo programa automaticamente, totalizando 14,65 milhões de famílias neste primeiro mês do programa.

Em dezembro, a Cidadania estima que o Auxílio Brasil será pago a 17 milhões de famílias, com a inclusão de novos beneficiários. No entanto, mesmo com a promessa da gestão Jair Bolsonaro (sem partido), cidadãos que recebiam o auxílio emergencial mas nunca tiveram acesso ao Bolsa Família ainda não sabem se terão direito ao novo programa de transferência de renda. Isso porque não há uma inscrição aberta para ter o benefício.

Este é o caso de Laryssa da Conceição Silva, 25 anos, moradora de Paraisópolis (zona sul). Para sustentar a filha de dois anos e o filho de seis ela faz “bicos”. Mesmo sendo elegível ao auxílio emergencial, a família conseguiu recebê-lo só em 2020 – primeiro, no valor de R$ 1.200, e depois, de R$ 600.

“Dependo muito da ajuda das pessoas e da minha mãe, principalmente com as crianças. E, quando eu consigo, faço bicos”, conta à reportagem.

Laryssa relata que tenta se cadastrar no Bolsa Família desde o nascimento do filho mais velho, porém, nunca conseguiu. “O pedido não sai de análise”, diz. Ela fala que vai tentar o Auxílio Brasil, porém, justamente por causa dessa experiência, não tem expectativa de conseguir a ajuda.

Desempregado, Eduardo Carrilho Vital, 47, da Casa Verde (zona norte), mora com o pai, que é aposentado. Ele recebeu auxílio emergencial em 2020 e neste ano, cujas parcelas foram de R$ 150. O trabalhador conta que, inclusive, baixou o aplicativo do Auxílio Brasil. No entanto, não conseguiu esclarecimento algum para saber se vai conseguir fazer parte.

No ano passado, o jornal Agora São Paulo já tinha contado o caso de Vital. Ele enfrentou dificuldades para se inscrever no programa emergencial e não conseguiu receber todas as parcelas, no valor de R$ 600, porque o pedido foi negado três vezes.

“Será que vou ter direito de receber o Auxílio Brasil enquanto não me recoloco no mercado? É fato que o mercado vai melhorar, mas um pouquinho [de dinheiro] ajuda até que eu volte a trabalhar. Estou preocupado porque disseram que vão passar uma peneira e acho que não vou receber”, afirma.

Vital afirma que a aposentadoria do pai não está sendo suficiente para pagar as contas mensais, ainda mais neste momento, com o aumento de itens básico como alimentos e energia elétrica.

Segundo o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), o preço dos alimentos acumula alta de 11,7% em 12 meses, enquanto os gastos com habitação, que inclui energia elétrica e aluguel, por exemplo, subiram 14,8% no período.

Rosemeire de Oliveira Lopes, 40, de São Miguel Paulista (zona leste), vive situação parecida. Na pandemia, a renda ficou comprometida, pois o marido, que é autônomo, não pôde trabalhar. Com o casal, também mora o filho de 19 anos.

A família recebeu R$ 250 nesta rodada do auxílio emergencial de 2021. Mesmo assim, enfrentou problemas na inscrição e só conseguiu três das sete parcelas liberadas pelo governo. “Foi uma confusão, eles falavam que eu não tinha direito, mas, no outro mês, eu conseguia”, conta Rosemeire, que diz não fazer ideia se vai conseguir o Auxílio Brasil.

“Nossa situação era difícil, o auxílio [emergencial] só deu um socorro. Meu marido é autônomo, não é fichado [registrado] e se tornou muito mais difícil [na pandemia]. Então, o auxílio nos ajudou. Mas, agora, vamos continuar como antes, em uma situação muito difícil, difícil mesmo”, afirma.

M.E., que pediu para não ser identificada, 65, de Mauá (Grande SP), também está sofrendo com a incerteza da renda daqui para frente. Desempregada há anos, trabalha informalmente vendendo panos de prato pela cidade e estava recebendo R$ 150 de auxílio emergencial.

“Eu trabalhava com meu marido, mas me divorciei e estava fazendo bicos. Na pandemia, tive que parar e tenho ajuda da minha filha para pagar as contas de luz e de água e as outras coisas. Agora, eles tiveram um bebê, então ficou mais complicado”, relata.

A desempregada afirma já estar inscrita no CadÚnico, contudo, nunca recebeu o Bolsa Família. “Não quero nem imaginar como vai ficar [a situação] porque nem sei se vou ter direito ao auxílio novo”, diz. 

DAÍZA CARVALHO
TodoDia

Americana tem 12 mil famílias no CadÚnico
Quase cinco mil famílias e 13 mil pessoas têm renda de até R$ 89 em Americana. Entre as que recebem deste valor até R$ 178 são mais de mil famílias e três mil pessoas. Juntos, esses grupos equivalem a quase metade das inscrições no CAdÚnico (Cadastro Único), que é obrigatório para o recebimento de benefícios sociais.

As proporções são semelhantes nas demais cidades da região, e até superiores na baixa renda em algumas delas.

Com base em dados de setembro deste ano, Americana tinha 12.044 famílias cadastradas, das quais 4.872 (40%) tinham renda de até R$ 89 e 1.056 (9%) deste valor até R$ 178.

Nas demais faixas salariais, são 2.321 (19%) entre R$ 178,01 até meio salário mínimo e 3.795 (32%) acima de meio salário. A taxa de atualização do cadastro é de 51%, com 6.159 famílias, com 4.505 delas (55%) com renda de até meio salário mínimo.

Das 30.117 pessoas cadastradas, 12.867 (43%) têm renda per capita de até R$ 89, 3.325 (11%) deste valor até R$ 178, 6.915 (23%) deste até meio salário mínimo e 7.010 (23%) acima de meio salário.

Em atualização do mês de outubro, Americana tinha 4.188 famílias beneficiárias do programa Bolsa Família, com benefício médio de R$ 102,84 e R$ 430.696,00 repassados no mês.

No ano, o acumulado foi de R$ 5.306.751,00 nos 10 primeiros meses do ano, o equivalente a metade de todo o ano passado (R$ 10,9 milhões).

Os dados são do Ministério da Cidadania/Folha de Pagamento Bolsa Família.

Ajuda aquém da demanda por assistência
Principal programa de transferência de renda, o Bolsa Família foi descontinuado pelo governo federal neste mês. A ajuda às famílias deve ser garantida, ao menos até 2022, pelo Auxílio Brasil, que foi regulamentado na última semana.

Na avaliação da economista Eliane Rosandiski, do Observatório da PUC-Campinas, apesar da projeção de correção dos valores com o novo programa, o reajuste não cobrirá a inflação, que é o principal fator que impacta a redução do poder de compra.
“No decreto estão previstas algumas correções nos valores. Até R$ 100 extrema pobreza e entre R$ 100 e R$ 200, pobreza, numa estimativa de correção de pouco mais de 17% do valor pago no benefício. A média de R$ 190 passaria para R$ 217. O decreto não se comprometeu com os R$ 400 pois depende da aprovação da PEC dos Precatórios para liberar recursos para o benefício nesse valor até dezembro de 2022”.

Em meio às incertezas, o que há de concreto e mais grave, na avaliação da economista, é que o conjunto de pessoas beneficiadas fica cada vez menor. Ela cita que o governo pretende expandir o programa de 14,6 milhões para 17 milhões, mas a estimativa é de 19 milhões de famílias no Brasil com necessidade do benefício. O CadÚnico dá uma projeção, mas há um público que sequer chega a ele, ou seja, fica fora das projeções. “Num cenário de desemprego alto, muitos precisariam do benefício não terão acesso. O governo promete zerar a fila, mas acho que não terá orçamento para isso. Ficará aquém da demanda social”.

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