Nos últimos cinco anos, os feminicídios cresceram cinco vezes na RMC (Região Metropolitana de Campinas) – em todo o estado de São Paulo, este aumento foi de três vezes. Os dados anualizados foram obtidos junto ao Portal da Transparência da SSP (Secretaria de Segurança Pública).
Em 2016, ocorreram apenas três feminicídios na RMC, que abrange 20 cidades. Em 2018, já ocorreu um salto para 16 casos. Em 2019 houve um recuo para dez crimes, mas, em 2020, houve um novo aumento, com registro de 15 assassinatos de mulheres.
De 2015 a 2019, os casos também dobraram e depois triplicaram no Estado. Ano passado, 169 mulheres foram vítimas no estado, o que dá uma média mensal de 14 mulheres assassinadas pelos companheiros.
O TODODIA entrevistou duas especialistas renomadas, no Brasil e no exterior, para traçar o perfil psicológico de assassinos de mulheres. Elas contextualizaram a dinâmica da violência contra a mulher.
Com 40 anos de experiência na área, a professora universitária Maria de Fátima Franco dos Santos, que dá aulas de Psicologia Forense na Faculdade de Psicologia e de Direito da PUC Campinas, analisou as estatísticas. Ela trabalhou no sistema prisional de 1998 a 2015 e traçou o perfil psicológico de muitos assassinos de mulheres.
Até 2017, diz Maria de Fátima, a RMC tinha um número bem mais baixo. “Qualquer número tem que ser considerado grave, porque é um crime grave, que acarreta problemas familiares, sociais e afetivos”, explicou. A partir de 2018, os casos aumentam na RMC e no estado.
Para Maria de Fátima, esse aumento a partir de 2018 está associado às campanhas de liberação das armas e às facilidades criadas para comprar armas no país.
“Ninguém compra arma para guardar de estimação. Arma é para ser usada. É um recado subliminar que a violência pode sim ocorrer. É meio que naturalizado. O Brasil é um país violento sim, até por conta da escravidão. Um país sem violência não toleraria a escravidão”, afirma a professora universitária.
A pandemia escancarou de vez o problema. “A violência está chocando mesmo. Com a pandemia aumentou, por causa das questões envolvidas, como estresse, desemprego, impotência, falta de perspectiva, o negacionismo, porque uma pessoa quer falar alguma coisa, como usar máscara, e isso pode ser motivo para uma briga. A pessoa se cala e forma momento de tensão”, exemplificou a professora da PUC.
A situação se agrava ainda mais com a questão cultural e o incentivo à violência. “A falta completa de sensibilidade, aos valores humanos, a uma ética, ao respeito ao ser humano. Estamos perdendo cada vez mais no Brasil, infelizmente”, explicou Maria de Fátima.
Adiciona-se ainda a este caldeirão o chamado machismo estrutural. Na sociedade, a mulher é colocada como subalterna ao homem. Outro ingrediente neste contexto é o patriarcado na família.
“O homem se sente o dono das pessoas que vivem com ele, dono de tudo. Como se sente o dono, é ele que controla. Mesmo mulheres que sustentam a casa, são subjugadas por eles, por causa dessa visão patriarcal, que quem manda em casa é o homem, mesmo que não seja ele o provedor, por conta desta questão cultural”, explica Maria de Fátima.
Também contribuem para esta violência preconceitos contra as mulheres que afloram de tempos em tempos, como se fosse o pêndulo de um relógio. Daí vem a cultura do estupro, da violência e da agressividade, explica Maria de Fátima.
E crianças e adolescentes que veem suas mães sofrerem agressões e que são expostas a violência doméstica, podem internalizar isso. Para eles a violência pode ser tornar natural.