A Justiça Federal de Americana condenou em primeira instância dois médicos por fraudes periciais que teriam beneficiado uma empresa têxtil de Americana, em um processo trabalhista. De acordo com o MPF (Ministério Público Federal), ambos estão entre os alvos da Operação Hipócritas, deflagrada em 2016 para combater um esquema que burlava ações judiciais em diversas cidades do Estado de São Paulo. Os médicos foram condenados a quatro anos e oito meses prisão. Cabe recurso em segundo instância, no TRF (Tribunal Regional Federal). A decisão foi publicada ontem.
Segundo o MPF, os dois médicos atuaram em conluio em processo movido contra a empresa para isentá-la de responsabilidade por “disfunções ortopédicas” que um ex-funcionário alegava ter desenvolvido durante o período em que trabalhou na empresa.
“Os médicos atestaram que a lesão no ombro direito e a artrose no quadril não tinham relação com as atividades do ex-empregado, mas as provas apontam que ele frequentemente carregava rolos de tecido de até 70 quilos nas costas devido à falta de equipamentos para o transporte das mercadorias. (…) A fraude só não teve sucesso porque a juíza responsável pela ação trabalhista identificou vícios e parcialidade na perícia, descartou as conclusões apresentadas e deu ganho de causa ao ex-funcionário. Investigações posteriores do MPF demonstraram que os laudos foram forjados mediante o pagamento de R$ 2 mil a um dos médicos, perito judicial na ação”, informou o MPF.
Os relatos apontam ainda que ambos teriam combinado os termos dos relatórios que seriam ajuizados, para mostrar convergência entre a tese da defesa e avaliação médica oficial. Foram encontrados e-mails no computador de um dos médicos que supostamente revelariam os crimes, segundo o MPF.
O médico “chegou a indicar que o perito concluísse o relatório com trechos de laudos disponíveis na internet para afastar o vínculo entre os problemas de saúde do trabalhador e as funções que desempenhava” na empresa, informou o MPF.
O Ministério Público ainda acrescenta que em outra mensagem, “dias antes da finalização da perícia judicial, o assistente técnico da empresa enviou ao médico o comprovante de depósito dos R$ 2 mil e o teor do laudo médico que a defesa havia apresentado à 1ª Vara do Trabalho de Americana, onde tramitava a ação movida pelo ex-empregado”.
“Não houve troca de informações sobre o quadro clínico do periciando, mas um acordo para afastar o nexo causal entre as patologias e as atividades laboradas, em troca de vantagem indevida”, destacou o MPF em manifestação.
Nenhum funcionário da empresa têxtil foi indiciado. De acordo com a assessoria de imprensa do MPF, “não ficou demonstrado até o momento a participação de alguém vinculado diretamente com a empresa”.
ADVOGADO FALA EM CONFUSÃO
O advogado José Antonio Franzin, que representa um dos médicos, informou ontem ao TODODIA que vai recorrer da decisão. Ele afirma que a sentença “não representa a prova dos autos e não se sustenta”, e que as conversas entre os médicos se deram em 2009 sobre um outro serviço prestado em Limeira, e não referente ao caso de Americana, que é de 2008.
Segundo ele, seu cliente é o dono de uma empresa “e mantinha contrato de medicina e segurança do trabalho” com uma empresa de joias de Limeira. “Como ele não tinha especialização no PCMSO-G, ele precisou de um terceiro (que nesse caso é outro médico). Não tinha especialização na área na época, hoje ele tem. (…) Foi feito para a empresa de Limeira, em papel timbrado”, informou Franzin.
O TODODIA entrou em contato com o escritório do advogado que representa o outro médico e deixou recado. Não houve retorno.
A reportagem consultou ainda a empresa, mas não teve resposta.
SAIBA MAIS
Na primeira fase da Operação Hipócritas, realizada em 31 de maio de 2016, MPF (Ministério Público Federal) e PF (Polícia Federal) revelaram uma ampla rede criminosa que atuava em perícias médicas e em processos trabalhistas nos quais o trabalhador afirmava ser portador de doença ocupacional ou ter sofrido acidente de trabalho.
A investigação mostrou que alguns médicos financiados pelas empresas ajustavam o pagamento de vantagens indevidas a médicos peritos judiciais para emissão de laudo pericial favorável. Quando as empresas não aceitavam pagar a propina, o laudo emitido era desfavorável. A operação ocorreu em 20 cidades, sendo sete da RMC (Região Metropolitana de Campinas): Americana, Campinas, Indaiatuba, Jaguariúna, Sumaré, Paulínia, Valinhos.
A segunda fase da operação ocorreu em 11 de setembro de 2017 e focou na coleta de provas do envolvimento de novos suspeitos e empresa identificadas. Entre os alvos estava uma médica de Sorocaba que vinha sendo nomeada perita pela Justiça em substituição a médicos peritos investigados na primeira etapa da operação.
Segundo o MPF, o nome da operação faz alusão ao juramento de Hipócrates, feito por todos os médicos ao se formarem no qual prometem exercer a medicina honestamente e não causar mal a outrem. “(…) e também ao comportamento de muitos dos investigados que, em grupos de debates, se manifestavam contra a corrupção de agentes públicos e políticos, mas que cometiam atos de corrupção nas perícias médicas que realizavam”, explicou.