quarta-feira, 7 maio 2025
INVESTIGAÇÃO

Ministério Público apura desvio em pesquisas da Unicamp

MP pode denunciar ex-reitor por prevaricação
Por
Guilherme Pierangeli
MP apura desvios em verbas de pesquisas na Unicamp – Foto: Divulgação

O Ministério Público de São Paulo segue investigando o suposto esquema de fraude e desvio de verbas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), destinadas a projetos do Instituto de Biologia da Unicamp, em Campinas, entre 2013 e 2024.

Para o MP, houve omissão da direção da universidade no caso, já que uma sindicância interna foi realizada e o processo foi arquivado. Com isso, o MP avalia se a conduta do então reitor, Antônio José de Almeida Meirelles, pode configurar crime de prevaricação.

Segundo o MP, o inquérito foi aberto após a demissão de Ligiane Marinho de Ávila, ex-servidora da Funcamp (Fundação de Desenvolvimento da Unicamp), por suspeita de envolvimento nas irregularidades.

Conforme as apurações, Ligiane utilizava uma empresa registrada em seu nome para emitir notas fiscais falsas e forjar recibos que eram incluídos nas prestações de contas dos projetos de pesquisa. Parte do dinheiro teria sido transferida diretamente para sua conta bancária.

O valor desviado, segundo o MP, pode ultrapassar R$ 2 milhões. A Fapesp estima mais de R$ 5 milhões. A investigação também aponta indícios de envolvimento de professores da Unicamp, que teriam facilitado ou ignorado os procedimentos fraudulentos.

O processo reúne conversas via WhatsApp entre Ligiane, fornecedores e docentes do Instituto de Biologia. Nos diálogos, são discutidas datas para emissão de notas fiscais, combinações de valores e orientações sobre como preencher documentos para aprovação de gastos junto à Fapesp.

Professores citados chegaram a sugerir reembolsos sem comprovação ou a liberação de cartões e senhas bancárias para a servidora, o que levantou suspeitas sobre a responsabilidade direta dos envolvidos.

O advogado de defesa de Ligiane, Rafael de Azevedo, nega os desvios e afirma que os valores movimentados são inferiores aos R$ 5 milhões citados pela Fapesp. “A gente entende toda a situação. O desvio que é mencionado é considerado milionário, mas não aconteceu conforme foi apresentado à imprensa, nem como foi relatado pela delegacia ou pelo Ministério Público. Tanto que o promotor que já realizou oitiva com ela está tomando providências e cobrando também da Unicamp, da reitoria. Os professores também estão sendo responsabilizados. É responsabilidade da Ligiane? Sim. A defesa não nega, e ela tampouco foge da sua responsabilidade de ressarcir e, eventualmente, devolver o que foi utilizado em proveito próprio. Mas esse valor está muito aquém dos R$ 5 milhões citados.”

Imagens divulgadas pela defesa de Ligiane mostram que ela estaria vivendo em situação difícil no exterior. Ela afirma ter sofrido queimaduras na pele devido ao uso de produtos químicos de limpeza durante os serviços de faxina que realiza para sobreviver.

Ainda segundo a defesa, uma das poucas vantagens obtidas por Ligiane teria sido o acúmulo de milhas aéreas em decorrência do uso de cartões de crédito em seu nome para despesas relacionadas às pesquisas. Os valores correspondentes estariam entre R$ 100 mil e R$ 150 mil, e ela estaria disposta a devolver esse montante.

A defesa também sustenta que Ligiane não tinha consciência de que suas ações seriam irregulares ou ilegais, alegando que apenas seguia ordens para dar apoio aos pesquisadores. No entanto, afirma não poder confirmar se ela foi usada como instrumento para os desvios cometidos por terceiros. “Ela não tinha, digamos, a ciência ou a consciência disso. Como ela relata, estava apenas executando seu trabalho. Ainda que as notas fossem emitidas por sua empresa, os projetos estavam sendo aprovados, seus superiores acompanhavam o processo, nada era escondido. As notas eram emitidas, anexadas aos projetos e repassadas. Agora, como algo ocorrido desde 2019 só vem à tona em 2024? Essa situação não parece plausível”, argumenta o advogado.

O MP determinou o envio de documentos à Fapesp, que poderá tomar providências administrativas. O caso segue em investigação, com possibilidade de responsabilização criminal e administrativa de outros servidores e docentes da Unicamp.

Procurada pela reportagem, a Unicamp informou, por meio de nota, que apurou os fatos internamente por meio de sindicância administrativa, na qual foram ouvidos diversos servidores e analisados documentos.

Ao final dos trabalhos, a Comissão de Sindicância recomendou a adoção de medidas administrativas para aprimoramento dos escritórios de apoio e decidiu pelo arquivamento do processo.

A universidade afirma que sua esfera de apuração se restringe ao âmbito disciplinar e que, até a última manifestação sobre o caso, feita pelo então reitor Antônio José de Almeida Meirelles em 16 de abril, não havia novas provas que justificassem a abertura de nova sindicância.

A Unicamp acrescenta que, nesta segunda-feira (5), o Ministério Público encaminhou à universidade novos indícios relacionados ao caso, acompanhados de pedido para abertura de nova sindicância administrativa, que será avaliado no prazo de 30 dias concedido para resposta. A universidade solicitou o envio dos documentos citados pelo MP.

A Unicamp também afirma que não houve qualquer omissão do ex-reitor na condução do caso.

Ainda segundo a universidade, os recursos desviados pertencem à Fapesp. Portanto, até o momento, não há risco concreto ao patrimônio público da Unicamp, o que teria sido confirmado por decisões judiciais que determinaram que os docentes devem ressarcir a Fapesp.

Em nota, o ex-reitor Tom Zé afirmou que, durante sua gestão, não houve qualquer negligência em relação ao caso, tendo determinado a instauração de sindicância administrativa para apuração dos fatos, com oitiva de servidores e análise de documentos. A sindicância resultou em recomendações e no arquivamento do processo.

Tom Zé acrescenta que, em março, a reitoria tomou conhecimento de um depoimento de Ligiane ao Ministério Público, no qual ela admitiu fraude e fez acusações sem provas concretas. Diante da ausência de novos elementos e da apuração já realizada pela universidade, ele afirma ter optado por aguardar o andamento das investigações do Ministério Público.

Ele também mencionou o pedido de nova sindicância feito pelo MP com base em novas provas apresentadas nesta segunda-feira, reafirmando que não houve omissão e que todas as decisões foram tomadas com base nas informações disponíveis em cada momento. Disse ainda que aguardaria o avanço das investigações conduzidas pelo MP para instaurar nova sindicância, caso necessário.

Já a defesa dos docentes informou, por meio de nota, que “em dezembro de 2023, docentes do Instituto de Biologia da Unicamp identificaram fraudes em verbas de pesquisa e imediatamente comunicaram a Fapesp, a Unicamp, a Funcamp e a Polícia Civil. Apesar da postura colaborativa, a Fapesp passou a cobrar dos próprios pesquisadores os valores desviados, notificando-os em janeiro de 2024.

Por entenderem que agiram corretamente e com respaldo institucional, os docentes ingressaram com 30 ações judiciais para contestar as cobranças. A maioria obteve liminares favoráveis e, mesmo nos casos com sentenças contrárias, os efeitos foram suspensos por instâncias superiores.

Os docentes reiteram sua condição de vítimas e seu compromisso com a transparência e a legalidade na gestão dos recursos públicos”.

A Fapesp foi procurada, mas não respondeu até o fechamento da reportagem.

Receba as notícias do Todo Dia no seu e-mail
Captcha obrigatório

Veja Também

Veja Também