O contingenciamento de verbas para as pesquisas universitárias – estratégia do governo federal que sofre críticas severas da comunidade científica – é reflexo de um momento político preocupante. Existe uma questão ideológica nesta crise do ensino. Como no regime militar, as universidades passaram a ser taxadas como “centros de subversão”.
O alerta é do pesquisador André Furtado, do Departamento de Política Científica do Instituto de Geociências da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). As acusações levianas insinuam que os investimentos públicos em pesquisa são inúteis, e que favorecem grupos improdutivos.
Na visão de Furtado, a tendência ideológica ameaça colocar por terra uma história sólida, que começou com a fundação, ainda no comecinho dos anos 50, do CNPq, principal instituição de fomento à pesquisa em nível federal. “Este processo começou a se inverter há cinco anos, com a perda de importância do órgão e cortes sucessivos de recursos”, afirma. “Acredito que há uma clara política de reduzir o apoio à ciência e à tecnologia. O setor vem se desestruturando” André Furtado lembra que o CNPq foi o primeiro órgão de apoio e planejamento em pesquisa constituído no Brasil, com a missão inicialmente voltada para a energia nuclear, considerada prioritária no período do pós-guerra.
Posteriormente, diz, o CNPq assumiu a função de apoio à pesquisa civil, passando a elaborar os planos básicos de desenvolvimento científico e tecnológico e ocupando um papel central. Com a redemocratização do país, ao CNPq foi atribuída a missão de fomentar a pesquisa fundamentalmente científica e acadêmica. O processo decisório sobre a alocação de recursos passou a ser da própria comunidade científica, através dos comitês científicos, ainda que pesassem as prioridades políticas e áreas consideradas estratégicas.
REGRESSÃO
A partir de 2005, diz, o CNPq apresentou um crescimento expressivo. Houve aumento de bolsas para as pesquisas acadêmicas e até para o desenvolvimento de projetos em empresas. Mas o segmento regride desde meados da década atual. Ainda que o governo federal tenha afrouxado o contingenciamento radical, e anunciado o retorno pontual dos investimentos, os cortes já feitos afetaram, e vão continuar afetando a produção científica nacional.
Só na Unicamp, uma das campeãs nacionais do registro de patentes, 1.113 alunos de pós-graduação podem ter seus projetos prejudicados se não houver aporte orçamentário. Não existe, ainda, nenhuma estimativa sobre quais pesquisas poderão contar com recursos. E todos os pesquisadores estão muito apreensivos. Furtado considera preocupantes, por exemplo, os rumores de fusão com a Capes (outro importante centro de apoio à pesquisa nacional).
O que pode parecer racionalização, na verdade pode abalar destruir o segmento. “Se acabarem com uma das instituições, avalia, provavelmente o orçamento sumirá junto”. O professor considera, sim, que o governo federal deve investir na modernização, na otimização. Mas é importante que a ciência receba investimentos a longo prazo, com participação ativa da comunidade científica e, principalmente, não sofra com a influência nefasta dos discursos ideológicos.
Assembleia protesta conta os cortes
O Conselho Universitário (Consu) da Unicamp, órgão máximo de deliberação da universidade, convoca para uma assembleia universitária no dia 15 de outubro, das 12 às 14 horas, no Ciclo Básico do campus de Campinas. O objetivo é votar uma moção e conscientizar a sociedade contra a série de ataques sofridos pelas universidades e institutos de pesquisa, caracterizados principalmente pelos cortes de bolsas e ameaças à autonomia universitária.
É a primeira vez em 53 anos de história que a Unicamp convoca uma assembleia universitária extraordinária. A última vez que a comunidade promoveu um ato dessas proporções foi em 1981, para protestar contra a intervenção do governador Paulo Maluf no campus, ainda durante o regime militar.
Pressionados, os interventores acabaram renunciando aos cargos. “Dessa vez a ideia é mostrar a força e a união de toda a comunidade acadêmica em torno de uma causa comum”, disse o reitor Marcelo Knobel. “Precisamos reunir todas as entidades representativas da universidade para nos posicionarmos contra os ataques que estamos sofrendo e chamar a sociedade em defesa da ciência, da educação e da autonomia universitária no país”.
Desde o primeiro semestre, as principais agências federais de fomento e apoio à pós-graduação sofreram drástica redução nos recursos destinados ao financiamento de bolsas e demais auxílios à pesquisa, essenciais para a sustentabilidade do sistema nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação.
NÚMEROS
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) registrou este ano um déficit de R$ 330 milhões, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), de R$ 800 milhões, e a Financiadora de Inovação e Pesquisa (Finep) está paralisada pela falta de recursos para honrar compromissos.