A história da nova minissérie no Globoplay vai soar familiar. O renomado médico Roger Sadala, especialista em reprodução humana e conhecido como Doutor Vida, estupra suas pacientes.
Se o nome de Roger Abdelmassih lhe veio à cabeça, não estranhe. “Assédio”, com direção de Amora Mautner, é baseada no ex-médico, condenado a 278 anos de prisão por estupro contra 39 mulheres, em 2010. Com a série, o canal tenta surfar na audiência que denúncias de abusos e temas atrelados ao feminismo têm trazido nos últimos anos.
A trama televisiva é ficcional, ou seja, os nomes de vítimas, suas histórias, características e detalhes foram preservados.
Com dez episódios, a minissérie que estreia nesta sexta-feira (21), foi construída como se fosse um documentário -ainda não há previsão de estreia para a TV aberta. Vítimas como Stela, personagem de Adriana Esteves, relatam seus sofrimentos, enquanto os casos são rememorados como flashes.
No primeiro episódio, Sadala, interpretado por Antonio Calloni, vive com sua tradicional família. O temperamento do médico é apresentado como o de um sujeito instável.
Durante um jantar, por exemplo, ele perde a paciência e quebra objetos porque suas filhas não gostam da sua receita apimentada. “Eu batalho muito por essa família”, diz ele acabando com o clima do encontro.
Logo no início, a cena de estupro de uma de suas pacientes já revela a outra face do médico. Nela, Stela aparece semi-acordada quando é assediada por Sadala, logo após o procedimento de inseminação artificial.
Vana Lopes, que foi vítima de Abdelmassih na vida real, teme que ao ficcionar suas memórias, o assunto seja apresentado de forma romanceada. “Algumas mulheres estão muito incomodadas porque não fomos consultadas”, disse ela que coordena o grupo Vítimas de Abdelmassih.
Lopes pondera e diz que “todo espaço que retrata a violência é bom, porque isso dá coragem as outras vítimas de relatarem o que sofrem”. Desde o ano passado, o ex-médico, 74, cumpre regime de prisão domiciliar.
Hoje, o grupo comandado por Lopes ajuda mulheres em estado de vulnerabilidade e que sofreram algum tipo de abuso sexual.
A autora de “Assédio”, Maria Camargo disse que a história em si não foi o que mais lhe interessou. “Todos conhecem esse caso, mas a união deste grupo de vítimas foi o que me chamou atenção”.
Assim, a partir desta história de coletividade e heroísmo dessas mulheres que ela começou a escrever a proposta da série.
A união de mulheres contra casos como esse passou a ser ainda mais comentada desde o movimento MeToo, que teve início no ano passado, após atrizes hollywoodianas se unirem para denunciar o megaprodutor Harvey Weinstein.
Camargo diz que logo depois que apresentou a proposta da série, em 2017, que se iniciou o MeToo. “Casa muito bem os dois casos, pois eles tratam do mesmo assunto que é a quebra de silêncio.”
‘É sobre dor, não é sobre sexo’
Um elenco de atrizes emocionadas e com vozes embargadas comentou a série “Assédio”, após assistir ao primeiro episódio da produção.
A produção é inspirada na história real do médico Roger Abdelmassih, condenado por violentar mais de 50 mulheres, todas pacientes dele, que era especialista em reprodução assistida.
Com um trailer pesado e um primeiro episódio com uma cena de estupro, as atrizes deixam claro o tom que a série dará à história. “É sobre dor, não é sobre sexo. Não tem peito aparecendo, não tem nada erotizado. É frio, é doloroso, e a Maria e a Amora foram geniais ao retratar isso tão bem”, dispara Paolla Oliveira, que vive a amante do médico. A autora da série é Maria Camargo e a direção é de Amora Mautner. “As cenas são duras pelo tempo que dura. A imagem dele também nunca é totalmente mostrada, mas a dor do ato é retratada pelo close no rosto da mulher”, explica Amora.
As cenas de estupro não são como vistas na maioria dos filmes, afirma a atriz Monica Iozzi. “A maioria das cenas de estupro em filmes são construídas a partir do olhar do homem e sempre tem uma erotização. Na verdade, estupro não é sexo, mas tem a ver com poder. É um crime de ódio e as essa série retrata muito bem isso”, avalia Iozzi.
Iozzi e todas as atrizes afirmaram ter feito o papel mais difícil e mais importante de suas carreiras. “Minha técnica é entrar na situação e foi bem difícil estar nessa situação, sabendo que era uma história real. Por tudo isso, é o papel mais difícil e importante de toda a minha vida”, diz a atriz.
O ator Antonio Calloni foi escolhido para viver Roger. “Foi difícil porque tive que acreditar nele, mas nada que é humano é estranho. Há todas as possibilidades dentro da gente. Tirei perversão, ódio e até amor das gavetas da minha personalidade”.