sexta-feira, 19 abril 2024

Entendendo a malbec

A malbec veio de Bordeaux para a Argentina em 1852 e lá se adaptou esplendidamente 

A malbec nasceu em Bordeaux, há alguns séculos, mas desenvolveu-se mais na região francesa de Cahors. Com a Phylloxera (tipo de praga), no século XIX, foi quase apagada de Bordeaux, onde ainda existe, embora seja rara. Lá nunca foi realmente muito plantada, os châteaux tinham um máximo de 10% de malbec para ser usada em cortes, com o papel de suavizar o cabernet sauvignon. Depois da Phylloxera, contudo, foi replantada em porta- enxertos muito vigorosos e, após a geada de 1956, foi quase abandonada em nome da Merlot. Hoje, em Bordeaux, os poucos châteaux que têm malbec raramente a usam em proporção maior que 5% em seus vinhos. No Cahors, sim, a malbec é a mais plantada, e é obrigatória minimamente em 70% nos cortes.

A malbec veio de Bordeaux para a Argentina em 1852 (e não do Cahors) e lá se adaptou esplendidamente. Hoje, a diversidade clonal da malbec, na Argentina, é enorme, maior que na França. Em uma comparação genérica de estilo entre os malbecs argetinos e os franceses, podemos dizer que:

Frutas – os malbecs argentinos costumam ser exuberantes nos aromas de frutas, com muitas frutas negras (ameixas, amoras, principalmente) bem maduras, às vezes lembrando geleias. Os do Cahors lembram mais frutas frescas, não tão maduras

Flores – violeta é um dos aromas típicos do malbec argentino, menos evidente nos exemplares do Cahors

Vegetais/ervas – tabaco é um aroma da malbec mais comum, nos exemplares do Cahors

Doçura – quase sempre, os malbecs estarão na categoria “seco”, com poucos gramas de açúcar residual (1 a 5), é o mais comum no mercado, mas com sensação de maciez dada pelo álcool alto e acidez moderada, mais evidente nos exemplares sul-americanos do que nos franceses

Acidez – aqui está uma grande diferença do malbec argentino para o francês. O argentino, geralmente, tem acidez moderada e o francês mais alta

Corpo – geralmente, argentinos tem mais volume de boca que os do Cahors

Álcool – na Argentina, raramente um malbec terá menos de 13,5% de álcool, podendo chegar aos 17%. Na França, estes números são mais baixos, ficando geralmente entre 12% e 14%

Mas, mesmo dentro da Argentina, podemos encontrar uma multiplicidade de estilos da malbec, conforme sua região de origem. O sucesso comercial em nível planetário dos malbecs de Mendoza fez com que seja quase que obrigatório, para uma bodega argentina, plantar malbec, que assim tornou-se amplamente cultivada de norte a sul do país.

Ganhamos nós, pois, a “boca má” (mal bec), que ganhou esta alcunha em seus primórdios, por gerar vinhos duros na França, proporciona excelentes exemplares por toda a Argentina, que vão de rosados a potentes tintos de guarda.

No extremo norte, em Salta, o terroir é muito peculiar, unindo latitude, altitude e continentalidade extremas. A latitude, entre 24 e 26 Sul (mais ou menos a mesma do estado do Paraná), somada à continentalidade, tornaria a produção de vinhos inviável na região, devido ao calor. No entanto, uma altitude absurda, com alguns vinhedos a mais de 2.000 metros, compensa o fato amenizando o calor. O resultado são vinhos expressivos brancos da Torrontés, perfumados, e Malbecs que podem chegar a 17% de álcool.

Dando um salto para o extremo Sul, chegamos à Patagônia, que tem uma configuração diametralmente oposta. A latitude é extrema, no paralelo 42 Sul, similar à Nova Zelândia, com altitude que despenca para cerca de 200 metros. Aqui, os vinhos são mais frescos, com mais acidez natural e com menos álcool, são os malbecs mais elegantes do continente.

Mendoza, coração do malbec, também guarda diversas sub-regiões e seus estilos. Lujan de Cuyo, nas cercanias da cidade que dá nome à região, é sede da maioria das bodegas que conhecemos. Lá, as altitudes ficam entre 800 e 1.100 metros e o estilo predominante é o clássico malbec encorpado, que conquistou o mundo. O maior patrimônio da localidade talvez sejam seus vinhedos antigos, já que foi lá onde tudo começou.

O Vale de Uco é a nova fronteira, desbravada nos últimos 20 anos. Com vinhedos que sobem até os 1.650 metros, a viticultura, lá, só é possível graças ao moderno advento da irrigação por gotejamento. O local está sendo estudado e subdividido. Algumas de suas sub-regiões já alcançaram fama, como Paraje Altamira, Los Chacayes, San Carlos e Gualtallary. De lá, o estilo que se destaca é de malbecs que podemos chamar “de vanguarda”, mais minerais, com maior acidez e expressão de terroir. 

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