Antes da internet, antes mesmo de a televisão chegar a todas as casas, havia um lugar em Americana onde o conhecimento morava em prateleiras. A Biblioteca Municipal, criada em 25 de outubro de 1955, após mais de uma década de insistência da comunidade, transformou-se em um refúgio de leitores e estudantes. Setenta anos depois, o antigo prédio da Praça Comendador Müller ainda guarda o mesmo espírito, abrindo janelas para o mundo através dos livros.
Do sonho à fundação
O desejo de criar uma biblioteca pública em Americana surgiu em 1944, quando uma comissão municipal iniciou os primeiros estudos para sua implantação. Foram 11 anos de espera e mobilização popular até que o projeto ganhasse forma com a aprovação da lei municipal que oficializou a criação da biblioteca. Desde o início, a instituição nasceu do clamor público — uma conquista coletiva em tempos em que o acesso ao livro era privilégio de poucos.
Os primeiros capítulos
As primeiras décadas foram marcadas por desafios. O acervo cresceu devagar, os endereços se alternaram e a falta de estrutura dificultou a organização. Ainda assim, a presença constante dos leitores fez da biblioteca um espaço vivo. Mesmo em condições modestas, firmou-se como ponto de encontro entre curiosos, estudantes e amantes da leitura.

A casa definitiva e o salto cultural
Nos anos 1980, a Biblioteca Municipal ganhou um lar definitivo no histórico prédio do antigo Grupo Escolar Dr. Heitor Penteado, na Praça Comendador Müller, dividindo espaço com o Museu de Arte Contemporânea. O endereço, no coração da cidade, consolidou a instituição como referência cultural. Com o novo espaço, o público, o acervo e os investimentos cresceram de forma significativa.
A era das pesquisas e o nome que virou legado
Na década de 1990, a biblioteca tornou-se um centro de apoio aos estudantes do ensino fundamental e médio. Antes da popularização da internet, o serviço de auxílio à pesquisa era parada obrigatória para quem precisava preparar trabalhos escolares. Em 1994, o espaço recebeu o nome de Professora Jandyra Basseto Pântano, uma das figuras mais ilustres da educação americanense, homenagem que eternizou seu compromisso com o saber e a comunidade.

Da leitura ao conhecimento digital
O que começou com cerca de 600 livros e 100 usuários hoje abriga um acervo de mais de 55 mil volumes e ultrapassa 60 mil atendimentos anuais. Sete décadas após sua criação, a biblioteca continua evoluindo, unindo tradição e modernidade. A administradora Joelma de Almeida explica que o espaço mantém um equilíbrio entre o acervo físico e os avanços tecnológicos. Ela comenta que a biblioteca é digitalizada e também física, com jornais antigos já digitalizados, mas com todos os livros disponíveis em formato impresso.
Joelma detalha que o sistema informatizado SOFIA permite ao leitor consultar o acervo de forma rápida e prática, buscando obras por autor, assunto ou título. Ela afirma que o leitor chega, procura um dos atendentes e rapidamente localiza a obra pelo sistema, o que torna o atendimento mais ágil e eficiente. Segundo ela, a tecnologia não substitui a experiência sensorial do livro físico. O cheiro, o manuseio e a textura das páginas criam uma sensação única, e quem tem o hábito de ler o livro físico é apaixonado por essa experiência.
Mudança no perfil dos leitores
O orientador cultural Leonardo Luciano, que trabalha há 30 anos na biblioteca, observa que o advento da internet mudou profundamente o perfil dos usuários. Ele explica que o público que vinha para pesquisas escolares diminuiu bastante, mas as pessoas que leem por prazer continuam preferindo o livro físico ao digital. Como o serviço oferecido pela Prefeitura é gratuito, o espaço segue bastante frequentado.
Leonardo acrescenta que, antes, muitos usuários vinham para ler jornais e revistas, mas com o tempo esses materiais impressos diminuíram ou migraram para portais online. Ainda há, no entanto, procura por material histórico. No acervo, há jornais antigos da cidade que não estão disponíveis na internet, o que faz com que muitas pessoas ainda precisem ir até a biblioteca para realizar suas pesquisas.
As crianças e a descoberta da leitura
A monitora Valdeci Borsato, responsável pelas visitas guiadas, destaca a importância de levar os alunos para conhecerem a biblioteca. Ela afirma que é fundamental que os professores tragam as turmas, já que muitos pais têm dificuldade de vir ao centro da cidade. As crianças acabam divulgando o espaço para a família e despertando o gosto pela leitura. Somente neste ano, mais de 2 mil crianças visitaram o local, o que, segundo Valdeci, representa uma grande vitória em tempos de mídias digitais.
Ela relembra histórias marcantes, como a de um menino de três ou quatro anos que visitou a biblioteca com a escola e, dias depois, voltou com a mãe para mostrar o espaço. Valdeci comenta que o público adulto também mudou e que hoje a maioria é formada por senhores e senhoras aposentados, que frequentam o local para leitura por prazer e costumam colaborar com doações de livros.
A visão dos professores e alunos
A professora Rosiclair Cristina Bordon, da Escola Municipal Jonas Correia de Arruda Filho, afirma que a visita dos alunos à biblioteca é muito rica e produtiva. Ela observa que, embora as escolas tenham seus próprios acervos, a experiência de conhecer a biblioteca é marcante e amplia o interesse pela leitura. Além disso, estimula as famílias a utilizarem o espaço público.
Os alunos também compartilham suas impressões. Davi Pires, de nove anos, conta que gostou muito do livro do Capitão Cueca, que sua mãe costumava ler para ele antes de dormir, e que também aprecia mangás. Diana, outra visitante, comenta que gosta muito da biblioteca, considera o espaço histórico mais interessante do que outras bibliotecas que já conheceu e também se diz fã dos mangás.

O encanto do livro físico e a diversidade de leituras
A funcionária e escritora Kátia Forte, que atua no setor de pesquisa e realiza visitas monitoradas, reforça que nada substitui o livro físico. Para ela, mesmo com o avanço da tecnologia e das plataformas digitais, o objeto livro tem uma magia própria. Ao abrir e folhear as páginas, o leitor sente a emoção da história de maneira única. Como escritora, Kátia faz questão de defender o livro físico.
Ela acrescenta que o hábito de leitura traz benefícios duradouros e amplia o vocabulário. Segundo Kátia, os leitores podem levar até três obras para casa por 15 dias, o que ajuda a criar um hábito que se perpetua e contribui para o desenvolvimento acadêmico. Pesquisar na biblioteca, explica, é muito diferente de apenas copiar conteúdos da internet, já que o aprendizado se torna mais profundo.
A usuária Cláudia Vigiano, diretora de teatro e frequentadora da biblioteca há 20 anos, também reforça a importância do livro físico. Ela afirma que adora o espaço e chegou a planejar um documentário sobre a biblioteca, com apoio das leis de incentivo à cultura. Suas leituras são variadas, e no momento ela pesquisa sobre os Romanov. Já leu sobre as filhas do casal, morto durante a Revolução Russa, e agora lê Os últimos dias dos Romanov, que narra o período anterior à execução da família.
Cláudia também se dedica a pesquisas sobre mulheres de culturas diferentes e livros fotográficos. Ela conta que trabalha como locutora em uma rádio com programa espírita e está revisitando uma entrevista de Chico Xavier, concedida nos anos 1970 ao programa Pinga-Fogo, para levar parte desse conteúdo aos ouvintes. Sobre a diferença entre o livro físico e o digital, Cláudia diz que ainda não se adaptou à leitura em telas. Prefere o formato tradicional, aprecia o contato com o papel e considera que o livro físico tem uma espécie de magia — algo que carrega o tempo e a história de uma época, o que, segundo ela, mexe com as emoções do leitor.





