Inácio Luiz Souto é um senhor de 73 anos, muito conhecido ali pela região do Mollon. A família toda ganha a vida cortando cabelo em um bonito salão de beleza da Rua do Níquel. Mas a fama dele vai muito além do bairro. O homem, desde que chegou por estas bandas, participa de uma companhia de Folia de Reis, que todo ano guia a bandeira por diversos bairros de Americana e Santa Bárbara d’Oeste.
Mas – embora a festa tradicional tenha cantoria e alegorias – nem tudo é alegria. Inácio fala que a folia não conquista o coração dos mais jovens. E que, dos 21 membros atuais da companhia, quase todos são da terceira idade. Ele conta que é uma alegria imensa quando um jovem se interessa a participar.
E comenta que a rapaziada mais nova, mesmo quando participa, acaba deixando o grupo. E tem exemplo disso dentro de casa. Dani e Diego, seus filhos, se destacavam como cantores na folia. Tão bons que foram descobertos e até gravaram CD. A dupla corre o Brasil, fazendo shows e visitando emissoras de rádio e de TV. Os irmãos tiveram de deixar a companhia de lado, e só participam do grupo eventualmente.
NOVOS TEMPOS
Inácio admite que os tempos estão mudados. Não é todo mundo que abre a porta de casa para receber os foliões. Primeiro, pela questão da segurança. Segundo, porque a maioria das pessoas não está disposta a dar esmola.
“Na verdade, muita gente fala que não tem dinheiro nem pra pagar a conta de água. Então, os cantores deixam em uma casa o que arrecadaram em outra. Muitas vezes, o folião põe dinheiro do próprio bolso”, diz. “O fato é que não tem lucro algum, e a arte sobrevive da boa vontade dos participantes”.
E a companhia passa basicamente nas mesmas casas de sempre, onde ela é sempre bem-vinda.
Os foliões acompanham a história de cada família: a luta pra sobreviver, os nascimentos e as mortes, as alegrias e as tristezas.
UM NOVO CANTOR?
O Inácio sente que a Folia de Reis vai perdendo a força ano após ano, e já não é sombra do que foi no passado, quando a bandeira cortava o estradão e levava a benção até para a roça.
Mesmo assim, ele aposta que seu grupo ainda vai durar muito. Ele conta que um novo cantor, de 20 e poucos anos, morador da Praia Azul, já aparece como novo integrante, cheio de entusiasmo.
“Eu sei que um dia me vou deste mundo. Mas a companhia nasceu há mais de cem anos, e vai seguir guiando a bandeira”, fala.
O homem não esconde a emoção. E agradece a visita cantando ao lado da esposa Irma.
GRUPO FOI FUNDADO NA REGIÃO DE JALES
Inácio Luiz Souto nasceu em Virgem da Lapa, cidadezinha do Vale do Jequitinhonha, em Minas, lá pelas bandas de Teófilo Otoni. Os pais eram lavradores e já participavam da Folia de Reis. Mas a terra era ruim, cheia de pedras, e o relevo muito acidentado. A família (pai, mãe e sete filhos) se mudou para a região de Umuarara (PR), e por mais de 20 anos viveu da colheita de café.
Inácio cresceu e se mudou aqui para a região à procura de trabalho na cidade, no começo da década de 70. Já estava casado. A sua família morou no parque Gramado, na Cidade Jardim, e acabou “sossegando” quando arrumou uma casinha no Mollon. Tempo em que o bairro nem tinha asfalto.
INÁCIO E A ESPOSA IRMA | O violão e os acessórios usados na folia, ano após ano
Foi quando ele conheceu, ali mesmo no bairro, o senhor Felício José da Silva, que comandava a Companhia Estrela de Belém, fundada pelo seu próprio pai lá na região de Jales. Desde aquele tempo o Inácio integra a cantoria. Nunca saiu. O Felício morreu neste ano, com mais de 90 anos. E deixou o Inácio com a missão de guiar a bandeira centenária.
CONHEÇA
Quem tem interesse em conhecer a companhia de Reis e bater um papo divertido com o Inácio pode aparecer no salão de cabeleireiro da Rua do Níquel, 862, Mollon, Santa Bárbara d’Oeste. O telefone para contatos é o 3458-4184.
O encerramento da Folia de Reis, que percorre os bairros de Americana e Santa Bárbara desde meados de outubro, está marcado para a comunidade Casa de Maria (Igreja de São Paulo Apóstolo), no Planalto do Sol II, dia 26 de janeiro.
CELEBRAÇÕES NO BRASIL MESCLAM O SAGRADO E O PROFANO
A Folia de Reis, Reisado ou Festa de Santos Reis é uma manifestação católica, cultural e festiva, classificada sobretudo no Brasil como manifestação folclórica, comemorativa da visita dos reis magos que viajaram para cultuar Jesus na manjedoura.
É um cortejo de cantorias religiosas, em que os participantes pedem esmolas. As famílias que recebem a festa pagam o que podem e quando podem por cantorias e as oferecem para algum parente ou algum amigo que nem sempre está presente.
Nos festejos existem elementos musicais com a presença de vários instrumentos (acordeon, violão, violas, cavaquinho, reco-reco, caixas, pandeiros).
Esta manifestação revela a combinação de figuras da teologia que remetem à primeira manifestação de Jesus entre os gentios.
A festa, no entanto, mescla elementos sagrados e profanos. Virou uma manifestação artística que revela a cultura dos povoados e dos lares por onde passa.
A festa nasceu na Europa e ganhou muita força em Portugal. O Brasil acabou herdando a celebração da nação que o colonizou.