SILVYA COLOMBO | FOLHAPRESS
“Meu pai gostava de achar que o que fazia tinha algo de magia. E, como mágico, tinha obsessão em não deixar traços de como inventava seus truques. É por isso que destruiu ou refez várias versões do que depois viriam a ser seus textos de ficção”, conta à Folha de S.Paulo um dos filhos de Gabriel García Márquez (1927-2014), Gonzalo García Barcha, 54.
“Quando eu e meu irmão, Rodrigo, éramos pequenos, essa era nossa principal tarefa quando estávamos perto do meu pai enquanto ele trabalhava. Ele nos dava manuscritos rabiscados ou papéis amarfanhados e mandava que picássemos e jogássemos no lixo”, conta.
García Barcha causou furor no Festival Gabo, promovido pela Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano na semana passada, ao caminhar pelo evento exibindo um rosto que evoca uma verdadeira reencarnação do Nobel de Literatura colombiano quando tinha sua idade.
Porém, nem todos os “truques” de Gabo foram destruídos. Na verdade, em certos casos, o próprio escritor fez questão de manter e publicar textos com ideias, personagens e temas que se desenvolveriam depois em outras obras suas.
É o caso do romance curto “La Hojarasca”, publicado em 1955, em que aparecem uma Macondo incipiente e alguns dos personagens que depois tomariam mais corpo em “Cem Anos de Solidão” (1967).
Agora, são revelados pela primeira vez ao público quatro textos e fragmentos inéditos que Gabo escreveu entre 1948 e 1952. São obras que ele não quis destruir, mas tampouco publicar, e que até então estavam com a família.
Por ora, estão expostos na Biblioteca Luis Ángel Arango, de Bogotá, que também recebeu da família um acervo de 44 caixas que o escritor deixou claro que gostaria que fossem entregues à rede de bibliotecas colombiana.
Não fazem parte, assim, do acervo oficial de seus manuscritos de obras publicadas e de sua biblioteca, que foram entregues, também segundo a vontade do escritor, à Universidade do Texas, nos EUA.
Esses documentos têm uma riqueza imensa, além de permitir que formemos um acervo Gabo aqui na Colômbia, mostram um escritor em formação. São seus primeiros anos, por isso há muita coisa escrita à mão. Suas condições eram precárias, ele ainda não tinha claro para onde iriam suas ideias, era muito jovem”, diz Sergio Sarmiento, pesquisador da biblioteca Arango.
Os anos em que escreveu esses textos correspondem aos que Gabo havia retornado à costa colombiana.
Nascido em Aracataca, no interior da região costeira, Gabo tinha passado um tempo estudando em Bogotá. Porém, a explosão política e social causada pelo Bogotazo -revolta popular causada pelo assassinato do líder Jorge Eliécer Gaitán, em 1948- o levou a Cartagena, em busca de emprego.
Trata-se de um período de grande violência na Colômbia, e isso passa a impactar Gabo, levando-o ainda mais pelo caminho do jornalismo, engajando-se nas tentativas de paz, e tornando o tema recorrente em sua literatura.
Mas esses primeiros tempos foram difíceis. Tudo o que ele tinha havia sido queimado na pensão em que vivia em Bogotá. Em Cartagena, dormiu em bancos de praça até acabar conseguindo emplacar matérias em jornais locais e conseguir alguma estabilidade. São dessa época os inéditos que vêm à tona.
O texto mais relevante é “Relato de las Barritas de Menta”, escrito em Cartagena, em 1952, que narra o retorno de um viajante a um povoado que parece parado no tempo. No fundo, é Gabo voltando à Aracataca, mas já vendo nela, em suas ruas e moradores, as cores literárias com as quais a transformaria na fictícia Macondo.