segunda-feira, 25 novembro 2024

Joe Sacco diz que violência cresceu após 30 anos de HQ

Precursor do jornalismo em quadrinhos, autor se especializou em reportagens sobre áreas de conflito 

Conflitos | Sacco vê semelhanças ao redor do mundo (Foto: Divulgação)

O jornalista e quadrinista Joe Sacco pagou do próprio bolso sua viagem pela Cisjordânia e pela Faixa de Gaza em dezembro de 1991 e janeiro de 1992. Não tinha o respaldo de nenhum grupo de mídia nem acesso às autoridades locais.

Disposto a viver com pouco, ele se hospedou onde foi possível e centrou sua cobertura sobre o conflito entre Israel e Palestina na perspectiva civil. Seu período na região resultou em “Palestina”, cânone do jornalismo em quadrinhos, que está sendo relançado no Brasil 30 anos depois da ida de Sacco à região.

Hoje, aos 60 anos, o autor nascido em Malta e morador de Portland, nos Estados Unidos, se diz grato por ter feito seu trabalho sem nenhum vínculo institucional e celebra o impacto de suas restrições no desenvolvimento da HQ.

“Quando você está se misturando com as pessoas, frequentando os cafés delas, quando não pode se dar ao luxo de tomar um drinque no Holiday Inn, você está numa seara diferente”, diz o autor, em entrevista. “E isso meio que se torna quem você é, se torna aquilo por que você se interessa, aquilo a que tem acesso. E se torna uma história sobre os civis, sobre as pessoas que não têm nada, porque você meio que não tem nada”, reflete.

A nova edição brasileira de “Palestina” reúne as nove edições da série publicada originalmente pela americana Fantagraphics entre fevereiro de 1993 e outubro de 1995. O tomo com a série integral equivale às duas edições avulsas, “Palestina – Uma Nação Ocupada” e “Palestina – Na Faixa de Gaza”, lançadas em português pela editora Conrad em 2001 e 2003.

Precursor do jornalismo em quadrinhos, Sacco se especializou em reportagens sobre áreas de conflito. Entre seus trabalhos publicados no Brasil estão “Uma História de Sarajevo”, de 2003, e “Gorazde – Área de Segurança”, de 2000, ambos sobre a Guerra da Bósnia.

“Notas Sobre Gaza”, de 2009, mostra seu retorno à Palestina para narrar o agravamento do conflito.
“Derrotista”, de 2003, e “Reportagens”, de 2012, são coletâneas de publicações sobre assuntos diversos. No ano passado, Sacco publicou “Paying the Land”, ainda inédito em português, sobre o extermínio da população indígena canadense.

Ainda assim, depois de todos esses anos, “Palestina” segue sendo seu trabalho mais celebrado. Ele atribui a relevância atual da obra ao recrudescimento da ofensiva de Israel contra os palestinos.

“Tudo aumentou. O nível de violência aumentou, o número de colonos aumentou e a ocupação se fortaleceu. Temos visto muitos indícios disso. As demolições de casas estavam acontecendo quando eu estava lá e estão se intensificando. Portanto, as pessoas ainda estão sendo expulsas de suas terras. O projeto final de remover os palestinos ou de os separar de alguma forma de suas terras continua”, critica.

Na visão do quadrinista, a ascensão de lideranças de extrema direita simpáticas a Israel em vários países, inclusive nos Estados Unidos, com Donald Trump, e no Brasil, com Jair Bolsonaro, ajudou a intensificar ideias e práticas anti-Palestina que já estavam em curso há vários anos.

“O que os palestinos têm a favor deles, além de sua própria humanidade? A humanidade deles simplesmente não funciona nesse contexto ou certamente não funciona com aqueles que estão no poder”, afirma Sacco.

Ele também vê paralelos entre conflitos motivados pela posse de terras na Palestina, no Canadá e no Brasil, principalmente nos métodos de remoção e extermínio das populações originais.

“A terra é e sempre será uma questão. Não vamos conseguir contornar a terra e o apego das pessoas à terra”, diz ele. “Você tem que separar as pessoas de suas terras. E existem maneiras de fazer isso. Ou você as expulsa de suas terras, ou as mata, ou faz uma combinação de ambos, ou tenta culturalmente separar as pessoas de suas terras, como fizeram no Canadá”.

Mesmo dedicado a retratar tragédias humanitárias, Sacco se diz otimista em relação ao futuro e justifica seu otimismo com os constantes atos de resistência testemunhados por ele em suas apurações.

“Os palestinos estão tentando fincar os pés na terra o máximo possível e dizer ‘estamos aqui’, ‘não vamos sair’.
E, quando as pessoas dizem que não vão sair, é aí que sinto esperança. Quando elas saem, quando elas se resignam, quando elas cedem, é aí que eu começo a perder a esperança. Mas ainda sinto que em todo o mundo as pessoas fincam os pés na terra”, diz.

No momento, em meio a outros trabalhos, Sacco está produzindo uma HQ sobre os Rolling Stones, na qual se distancia um pouco do jornalismo e envereda pelo ensaísmo, segundo ele. Sua expectativa é investir pelo menos mais três anos na obra.

“Começou como um livro sobre os Rolling Stones, mas realmente se tornou algo que, não sei como dizer exatamente, mas ainda é sobre um conflito”, adianta o quadrinista.

“É sobre muitas coisas que sempre estiveram na minha mente, mas que não se enquadram bem nos limites do jornalismo. Porque, com o jornalismo, você se interessa pelo fato, por aquilo que aconteceu aqui, por quem fez o quê a quem. É disso que trata ‘Palestina’. Estou me movendo em um espaço que não vou chamar de ficção, mas uma espécie de ensaio no qual estou pensando mais sobre a psicologia humana, sobre por que as coisas são como são”, conclui. 

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