sábado, 20 abril 2024

Livro célebre ganha edição em inglês

O decantado mito da democracia racial cairia por terra com a Copa do Mundo de 1950, disputada no Brasil

FASES/ Lançado há mais de 70 anos, relato do jornalista Mario Filho permanece essencial para entender o país de hoje (Foto: Divulgação)

Já se passaram mais de 70 anos e algumas reedições desde sua publicação original, em 1947, mas “O Negro no Futebol Brasileiro”, livro do jornalista e escritor Mario Filho, ainda desperta o interesse de leitores e acadêmicos, inclusive no exterior.

No último mês de abril, a University of North Carolina Press, editora que pertence à Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, publicou a primeira edição em língua inglesa da obra-prima de Filho, sob o título “The Black Man in Brazilian Soccer”.

Com 368 páginas, o livro é editado por Elaine Maisner e traduzido por Jack Draper.

Professor de português e de estudos culturais brasileiros na Universidade do Missouri, Draper conheceu o livro em 2016, quando preparava um curso sobre o futebol e sua importância social na América Latina.

Ao saber que a obra nunca havia sido traduzida para o inglês, lembrou-se que a University of North Carolina Press já tinha publicado “O Mistério do Samba”, de Hermano Vianna, no idioma. O professor entrou em contato com Elaine Maisner, editora-executiva da entidade, que gostou da ideia de publicar o trabalho de Mario Filho.

“Ainda que eu não conhecesse Filho ou o livro, sou uma editora. Sei identificar se um livro é importante e como localizar as pessoas que sim conhecem Filho e a história do futebol no Brasil. E rapidamente aprendi que o livro se encaixaria muito bem no catálogo ao combinar os interesses em estudos negros, estudos latino-americanos e também sobre o esporte mais popular do mundo”, diz Elaine Maisner.

Para viabilizar a publicação do livro, Jack Draper, a partir da sugestão de Maisne, elaborou um projeto para a aplicação de uma bolsa em um programa de traduções acadêmicas realizado em conjunto pela Universidade da Carolina do Norte e a Univerdade Duke.

Julgado por editores e docentes das duas universidades, “O Negro no Futebol Brasileiro” foi o vencedor do programa em 2016. A negociação com os advogados dos herdeiros de Mario Filho para a aquisição dos direitos autorais durou cerca de um ano.
Além de tradutor da edição em língua inglesa, Draper também acabou servindo de intérprete para as conversas entre Elaine Maisner, que não fala português, e os advogados, que não têm domínio do inglês.

“Considero a obra de Mario Filho equivalente a ‘O Mistério do Samba’, de Hermano Vianna, por tratar da identidade nacional e racial no Brasil através de uma forma de produção e criatividade cultural”, afirma o tradutor, que assina o prefácio e também é autor de livros sobre forró e cinema brasileiro.

“Meu prefácio [à edição em inglês de “O Negro no Futebol Brasileiro”] tem o espírito da edição brasileira de 1964, da Editora Civilização, que enfatizou mais a longa luta contra o racismo do que uma ‘democracia racial’ conquistada. Acho o prefácio de Gilberto Freyre à primeira edição, de 1947, algo que associou o projeto demais com a ideologia da ‘democracia racial’, apesar de Filho nunca ter escrito essas palavras no livro”, acrescenta.

Em seu prefácio de 1947, o sociólogo e escritor Gilberto Freyre mostrou uma visão otimista do espaço que o negro ocupava no futebol nacional. “Era natural que o futebol, no Brasil, ao engrandecer-se em instituição nacional, engrandecesse também o negro, o descendente de negro, o mulato, o cafuzo, o mestiço”, escreveu Freyre.

Porém, o mito da democracia racial cairia por terra com a Copa do Mundo de 1950, disputada no Brasil. A culpa atribuída ao goleiro Barbosa, um negro, recuperou uma teoria do Estado Novo (1937-1945) da inferioridade do brasileiro como raça.

Em 1964, na segunda edição de “O Negro no Futebol Brasileiro”, Mario Filho se viu obrigado a rediscutir o status do jogador negro pós-Maracanazo, ainda que àquela altura o Brasil, bicampeão do mundo, já tivesse como grande símbolo de sua consagração nos gramados um craque de pele negra, Pelé.

Tanto a nota de Filho na edição original, de 1947, quanto a nota da segunda edição, de 1964, foram traduzidas e incluídas na versão publicada em inglês pela University of North Carolina Press. 

(Bruno Rodrigues)

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