A escritora Lygia Fagundes Telles se compara a Machado de Assis na arte narrativa curta, diz especialista
A escritora Lygia Faculdes Telles é considerada uma das maiores contista do País. A escritora faleceu em 3 de abril, de causas naturais, aos 98 anos. Mas, sua obra permanece eternizada nos livros que abordam temas variados como o amor, a morte, o medo, o adultério e as drogas.
Lygia trata ainda em seus livros de problemas sociais. Explorou o universo feminino, trazendo um olhar crítico ao moralismo social e deixando transparecer suas visões políticas.
Era integrante da Academia Brasileira de Letras (ABL) e foi a vencedora do Prêmio Camões, em 2005, pelo conjunto da obra, e do Prêmio Juca Pato, em 2009, como intelectual do ano.
“Ela tinha uma capacidade magistral de construir personagens, em especial figuras femininas”, afirma o professor Jaime Ginzburg, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Usp, a respeito da escritora.
“Em suas obras, várias formas de relações entre mulheres são apresentadas em detalhes, podendo motivar o leitor a refletir sobre o que aproxima e o que afasta mulheres umas das outras. Entre outros exemplos, cabe lembrar das inquietações de Bruna em torno de Letícia, em “Ciranda de Pedra”, dos contrastes entre as protagonistas de “As Meninas” e das lembranças das mães que perderam suas filhas em “O Segredo e Uma Branca Sombra Pálida”, afirma.
“Lygia Fagundes Telles foi a grande contista em um país de romancistas. Poucos foram, em nossa literatura, os autores que souberam executar a narrativa curta com maestria comparável à de Lygia”, afirma Cláudia Ayumi, estudante de pós-graduação da FFLCH que pesquisa a obra da autora.
“A capacidade de condensar magistralmente em forma breve os grandes impasses da subjetividade em confronto com a conturbada vida social brasileira pode ser atribuída, em particular, a dois grandes autores da literatura brasileira: Machado de Assis e Lygia Fagundes Telles.
Esta, sem intencionar, foi mais que escritora de seu tempo e de seu país (e o reconhecimento internacional confirma essa informação), mas também foi a autora que, explorando o episódico, preocupou-se em figurar, sempre em textos repletos de poeticidade, as contradições do indivíduo inserido em nossa realidade histórico-social”, frisa.
COMBATIVA
O ex-reitor da USP Jacques Marcovitch destaca a relação entre obra e vida na trajetória de Lygia. “Mulher serena e inconformada, bela e combativa, livre e engajada, ela deixa como legado, além da sua extensa obra, seu exemplo de vida. Uma vida significativa na qual cultivou a fé, a esperança e a solidariedade. Por isso, suas palavras continuam ressoando na sua segunda vida.
Uma presença que Lygia conquistou na memória coletiva para hoje e para sempre”, declara.
A escritora integrou o Conselho Consultivo da USP, um órgão instituído em dezembro de 2000 com o objetivo de estreitar as relações entre a universidade e a sociedade.
Na primeira reunião daquele Conselho Consultivo, realizada em março de 2001, ela ressaltou: “É preciso ter esperança. Ter esperança de que todo jovem entre na universidade, ter esperança de acabar com o analfabetismo, com a miséria e com a violência”.
TRAJETÓRIA
Nascida em São Paulo em 19 de abril de 1923. Estudou na Escola Caetano de Campos e se formou na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP).
Foi procuradora do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo. Mas sua verdadeira vocação, como admitiu em entrevista, era a escrita.
Lygia foi romancista e contista e era detentora de algumas das maiores honrarias das letras nacionais. Sua carreira literária começou aos 15 anos, em 1938, com a publicação da coletânea de contos “Porão e Sobrado”, que conquistou o prêmio Jabuti.
A autora, entretanto, consideraria sua real estreia nas letras, como autora madura, o romance “Ciranda de Pedra”, de 1954. O livro foi adaptado duas vezes pela TV Globo para novela. A primeira novela, escrita por Antônio Teixeira Filho e dirigida por Wolff Maia, foi ao ar pela TV Globo em 1981. A segunda versão, veiculada em 2008, foi escrita por Alcides Nogueira e dirigida por Denise Saraceni.
A escritora recebeu quatro vezes o Prêmio Jabuti, considerado a mais tradicional premiação literária do Brasil. Na primeira ocasião, em 1966, obteve o feito com a obra “O Jardim Selvagem”. Voltou a ganhar em 1973, com o romance “As Meninas”.
Em 1996, consagrou- -se novamente com “A Noite Escura e Mais Eu” e, em 2001, com a coletânea de contos “Invenção e Memória”.
No ano de 2005, foi agraciada também com o Prêmio Camões, que enaltece autores de língua portuguesa pelo conjunto da sua obra. Seu nome entrou para uma lista da qual atualmente fazem parte 33 escritores de cinco países diferentes.
OBRA
Dentre sua longa trajetória encontram-se volumes como “Antes do Baile Verde” (1970), “As Meninas” (1973), “Seminário dos Ratos”(1977) e “Filhos Pródigos” (1978).
Seu nome também aparece na história do cinema brasileiro. No filme Capitu (1968), inspirado no romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, ela trabalhou em parceria com o crítico de cinema e seu segundo marido Paulo Emílio Sales Gomes, com quem foi casada de 1963 até ficar viúva em 1977. Ambos assinam o roteiro que posteriormente recebeu o Prêmio Candango, concedido pelo Festival de Brasília.
Além de adaptações para o cinema, o teatro e a televisão, seus livros foram traduzidos para uma série de idiomas, como alemão, espanhol, francês, inglês, italiano, polonês, sueco e tcheco.
Em 1985, Lygia se tornaria a terceira mulher na história a ser eleita para a Academia Brasileira de Letras. A escritora ingressou na ABL em 1987 na cadeira 16, na sucessão de Pedro Calmon.
PRÊMIOS
Além desse reconhecimento, a autora reuniria ao longo de sua trajetória diversos prêmios Jabuti e o Prêmio Camões, a maior honraria da literatura em língua portuguesa, recebido em 2005.
Foi casada com dois professores, o jurista Goffredo da Silva Telles Junior, da Faculdade de Direito, e o crítico de cinema Paulo Emílio Sales Gomes, da Escola de Comunicações e Artes.
Lygia, que faleceu em abril deste ano, não deixou descendentes. Seu único filho, o cineasta Goffredo da Silva Telles Neto, faleceu em 2006, aos 52 anos. Ele era fruto do relacionamento com o primeiro marido, o jurista Gofredo Teles Júnior, que durou de 1947 até 1960.