sexta-feira, 26 abril 2024

Nasce o ‘Teatro da Quebrada’ em Santa Bárbara

“Não é um espetáculo, é um ritual”, já avisavam os materiais de divulgação com antecedência. Ao final, quem esteve presente no Centro Cultural Edgard Tricânico D’elboux, no Conjunto Habitacional do Romano, em Santa Bárbara d’Oeste, no dia 19 deste mês, pôde comprovar que realmente o alerta fez jus em existir. 

O “Ritual Peito Preto”, dirigido por Jotapê Antunes, mesclou as técnicas teatrais trabalhadas pelo diretor com a vivência daqueles que no “palco” estiveram. As aspas para o palco também se justificam pelo fato de que ele, como tradicionalmente conhecemos, não existiu. O ritual, que se iniciou dentro do Centro Cultural, transitou com seus espectadores para o ambiente externo do local e encerrou-se na rua, literalmente parando o trânsito. 

Mesmo quem não fazia ideia do que ali iria acontecer e, de repente, se deparou com a ação, não reclamou. As janelas do conjunto habitacional se tornaram camarotes. Algumas pessoas que transitavam paravam para ver, outras apenas passavam pelo lado, sem atrapalhar. Carros e motos davam meia volta. Até o ônibus parou e esperou o fim da apresentação sem nenhuma reclamação, como se todos ali sabiam realmente do que se tratava: um ritual, feito pelo seu próprio povo celebrando eles mesmos, suas dores, suas raízes, sua luta de cada dia. 

SIGNIFICADO 

Segundo Isabelly Motta, atriz e assistente de direção, o termo “ritual” é utilizado na busca de resignificar o teatro para os artistas do Teatro da Quebrada, além de uma provocação para a reflexão sobre a intolerância religiosa.

“Não somos atrizes e atores, não temos acesso a estudos complexos a respeito do teatro e suas vertentes, mas adaptamos o teatro a partir dos nossos conhecimentos e os conhecimentos que nos é proporcionado, criando então uma nova perspectiva teatral na região. Ritual remete ao sagrado para aqueles que tem fé, independente da religião. Ritual não se explica, ritual se sente. E é isso que tentamos passar sempre para os espectadores, sentimento, através do corpo negro em cena, através dos tambores, de elementos da natureza”, diz. 

CONSTRUÇÃO 

Isabelly conta ainda que o processo de construção uniu vivências dos integrantes do grupo e alguns contos mitológicos que envolve orixás e entidades de religiões de matriz africana. “Utilizamos da contemporaneidade retratando o orixá na figura humana, como no caso do personagem Kaenedy Rubi, que faz referência a Exú, e que aparece desde a primeira cena até a última”, conta a artista. 

“É importante destacar que o processo de construção foi algo natural e todos retrataram um pouco de sua história, utilizando como arma o teatro negro e o teatro político. Juntos fizemos e faremos história”, completa Isabelly. 

NASCIMENTO 

O diretor Jotapê Antunes explica que o Teatro da Quebrada nasceu da necessidade deste grupo de fazer teatro juntos. “Qual teatro? Qual possibilidade? Cheio de perguntas, desejos e indagações, nos encontramos no final de 2018 para discutir o ato de “black face” realizado por um grupo de teatro em Santa Bárbara d’Oeste. Assim, começamos a buscar a necessidade de fazer teatro político na cidade, questionando e dando visibilidade e representatividade ao povo negro, que muitas vezes retratado como serviçal ou vilão na história do teatro brasileiro”. 

ORIGENS | Grupo resgata sua cultura e narra vivências

Desde novembro, o grupo formado por moradoras e moradores do Conjunto Habitacional Roberto Romano e integrantes do coletivo Boca Preta, se reúne para produzir coletivamente seus trabalhos. 

“Nosso primeiro experimento foi no 1º Sankofa, organizado pela Associação Motta de Capoeira e Cultura Afro, com as atrizes fundadoras Isabelly Motta e Julia Motta, seguindo na participação do Recitar 2019, no qual, nos consolidamos como um grupo de teatro na cidade, levando as principais premiações do evento”, relata Antunes. 

O diretor ainda reforça a relevância do engajamento político do grupo. “Muitos dizem que todos espetáculos ou atos artísticos são políticos, mas teatro com engajamento, falando sobre nomes de figuras que lutaram e sangraram para a nossa arte seguir resistindo não havia, pois a romantização se mistura com o poético e vemos muitas vezes na cena atos de preconceito escondido por belos cenários e figurinos”. 

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