domingo, 6 julho 2025
O AVESSO DA PELE

Premiado com o Jabuti e destaque no New York Times, escritor Jeferson Tenório fala à TV TODODIA durante passagem por Americana

Ele esteve na cidade para um bate papo na unidade do Senac
Por
Diego Rodrigues

Jeferson Tenório só leu um livro inteiro aos 24 anos. Vinte anos depois, em 2021, seu romance O Avesso da Pele conquistou o Prêmio Jabuti de Literatura – a mais importante premiação literária do país.

“Olha, eu costumo dizer que a coisa mais importante que me aconteceu na vida foi me tornar leitor. Me tornei leitor aos 24 anos. Comecei a ler literatura e isso mudou minha vida completamente. Também fui professor durante muitos anos e era o que dizia aos meus alunos: tornem-se leitores o mais rápido possível, porque muda a perspectiva, transforma a trajetória e, principalmente, para estudantes de periferia, jovens negros que têm poucas oportunidades. A leitura, de fato, mudou minha história, e é isso que costumo dizer às pessoas”, relatou o escritor.

Tenório participou de um bate-papo na unidade do Senac em Americana, na última quinta-feira (3). O escritor conversou com a reportagem da TV TODODIA, que acompanhou o encontro.

Segundo ele, sua literatura mistura elementos autobiográficos e ficcionais, a ponto de, às vezes, nem ele mesmo distinguir completamente o que é real ou inventado.

O protagonista de O Avesso da Pele, por exemplo, é um professor negro, carioca, radicado em Porto Alegre. Tamanha semelhança não é coincidência. O próprio Tenório, nascido no Rio de Janeiro, que hoje divide sua rotina entre São Paulo e a capital gaúcha, lecionou português na rede pública de Porto Alegre por duas décadas.

A obra aborda questões de identidade, relações raciais, violência e negritude, causando, assim, grande impacto no panorama recente da literatura brasileira.

O livro figurou em terceiro lugar na lista dos melhores títulos do século XXI elaborada pelo jornal Folha de S.Paulo, junto de Torto Arado, de Itamar Vieira Junior, e Um Defeito de Cor, de Ana Maria Gonçalves. Os três autores que compõem o pódio são negros.

Questionado se identifica o surgimento de um movimento literário, Tenório considera que o momento atual é resultado de uma luta histórica iniciada com o movimento negro e os coletivos da década de 60. “Com Lélia Gonzalez, surge um movimento que chega às universidades e, nos anos 2000, se fortalece com a entrada de estudantes negros pelo sistema de cotas”, afirmou.

Ele foi o primeiro cotista a se graduar em uma universidade de Porto Alegre.

“O que vivemos hoje é fruto dessas conquistas. Há autores que escrevem com grande qualidade: Paulo Lins (Cidade de Deus), Itamar Vieira Junior (Torto Arado), Conceição Evaristo (Olhos d’Água). Alguns podem chamar isso de movimento literário, mas considero mais uma peça do quebra-cabeça da história do Brasil, só que agora sob uma perspectiva negra”, acrescentou.

Estela sem Deus (2018), O Avesso da Pele (2020) e De Onde Eles Vêm (2024), os três últimos romances de Tenório, serão adaptados para o cinema.

O primeiro livro negociado foi O Avesso da Pele, do qual o autor não participou da elaboração do roteiro. Nos outros dois, atuará como consultor.

Indagado sobre a influência do cinema em sua produção literária, ele respondeu: “Minha escrita não sei se é diretamente influenciada pelo cinema, mas eu gosto muito da sétima arte, então acredito que tem relação. Sou grande apreciador do cinema francês e brasileiro. Costumo criar cenas pensando em imagens, o que certamente tem influência. Toda forma de cultura contribui para a escrita”, destacou.

O racismo estrutural é um tema constante em sua obra. Tenório relatou ter sido abordado pela polícia 16 vezes. A última ocorrência aconteceu durante uma sessão de fotos para o New York Times, jornal norte-americano ao qual ele havia concedido entrevista sobre a tentativa de censura sofrida por O Avesso da Pele.

O livro foi envolvido em uma polêmica e sofreu pedido de recolhimento de exemplares em algumas escolas com base na alegação de que o conteúdo seria impróprio para menores, linguagem classificada como imprópria por alguns professores.

“Estávamos no parque, perto da minha casa, em Porto Alegre. Já tínhamos feito a entrevista e fomos fotografar perto de um lago, porque é um lugar bonito. Aí chega a Brigada Militar e faz o enquadro. O argumento foi que nos confundiram com dois traficantes que atuariam ali. O mais curioso é que o policial não se dirigiu a mim, só falava com o fotógrafo, que era branco. Só perguntava a ele, comigo não conversou. Enfim, é mais um episódio triste entre tantos que pessoas negras acabam enfrentando. Principalmente em uma cidade como Porto Alegre, que é extremamente segregadora. São situações que, infelizmente, ainda ocorrem”, lamentou.

Para Tenório, a escola é um espaço de formação e cidadania, um ambiente que representa tanto um ensaio quanto a própria vida acontecendo.

“Acredito que quanto mais tempo o estudante puder permanecer nesse ambiente de aprendizado e convivência, melhor. É também um espaço essencial para a formação de leitores. Precisamos muito de leitores no Brasil. Quando uma escola se propõe a permanecer mais tempo com os alunos, temos um bom futuro pela frente”, explicou.

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