terça-feira, 18 novembro 2025
CONSCIÊNCIA NEGRA

Exposição revela silêncio da Câmara de SBO após a abolição da escravidão

A mostra reforça ainda o compromisso com a legislação que determina o ensino da história e da cultura afro-brasileira e indígena, além das diretrizes previstas no Estatuto da Igualdade Racial
Por
Diego Rodrigues

No dia 13 de maio de 1888, o Brasil aboliu oficialmente a escravidão por meio da Lei Áurea, tornando-se o último país da América Latina a extinguir o sistema escravista.

A exposição “O silêncio que grita”, integrada ao Mês da Consciência Negra, resgata o que foi discutido na Câmara Municipal de Santa Bárbara d’Oeste à época da abolição, revelando como o Legislativo local reagiu ao fim do regime e quais encaminhamentos foram adotados naquele período.

Pesquisa, curadoria e proposta da mostra
Fruto do trabalho dos pesquisadores José Guedes, Sidney Aguilar Filho e Sidney Bomfim, com curadoria de Aguilar Filho e design de Bruno Cardoso, a mostra permanece aberta ao público durante todo o mês de novembro na Câmara Municipal, onde estará disponível para visitação até o dia 30. Com painéis fotográficos e textos explicativos, integra o projeto “Anônimos: Histórias não Contadas”, criado para dar visibilidade a grupos historicamente ignorados pela historiografia local.

Memória, acesso e formação social
De acordo com o advogado e pesquisador José Guedes, um dos responsáveis pelo projeto, a ação amplia o acesso à memória e incentiva novas leituras sobre a formação social barbarense.

O quadro em branco ao lado do professor Sidney Bomfim simboliza “O silêncio que grita”. Foto: Ana Machado/TV TODODIA.

Antes de ocupar o Legislativo, “a mostra percorreu o Centro Cultural e Biblioteca Prof. Léo Sallum e o Museu da Imigração, ampliando seu alcance e reforçando sua inclusão no calendário do Novembro Negro, período dedicado à valorização da cultura afro-brasileira e ao fortalecimento das políticas de igualdade racial” destaca Guedes.

A pesquisa reforça ainda o compromisso com a legislação que determina o ensino da história e da cultura afro-brasileira e indígena, além das diretrizes previstas no Estatuto da Igualdade Racial.

Ao comentar a metodologia adotada, o professor e pesquisador Sidney Bomfim afirma que “a história está posta. Não há opinião nossa nesse trabalho. Buscamos apenas documentos oficiais, encontramos as fontes e deixamos que elas mesmas falassem”.

Debate, memória e representatividade
O material reunido, segundo ele, permite ampliar discussões sobre memória e representatividade, pois “cabe a nós, e a todos os setores da sociedade, refletir sobre esses documentos hoje para definir que futuro queremos construir, especialmente para as pessoas negras descendentes de escravizados, direta ou indiretamente”.

A pesquisa reforça ainda o compromisso com a legislação que determina o ensino da história e da cultura afro-brasileira e indígena. Foto: Ana Machado/TV TODODIA

Para Bomfim, o resgate documental impulsiona debates urgentes, já que “resgatar essa documentação é abrir espaço para discutir políticas públicas que atendam pretos, pardos e também caboclos, grupos historicamente ignorados”.

A presença da mostra em instituições públicas reforça, conforme explica o pesquisador, a necessidade de enfrentar lacunas históricas. Ele observa que “o silêncio que grita é justamente isso: levar a ausência de debates para lugares onde eles precisam existir. Levamos essas histórias para escolas, universidades e para o Legislativo, para que finalmente sejam conhecidas”. Em suas palavras, “durante muito tempo, contou-se uma história como se fosse completa, mas faltava grande parte dela. Buscamos essa parte ausente e a expomos para provocar políticas públicas”.

Passado e presente conectados
Compreender esse passado, acrescenta, é fundamental para interpretar a realidade atual, já que “muita coisa que vemos hoje na sociedade é reflexo direto desse passado não enfrentado. Por isso é tão importante esse contato com as informações que estamos trazendo”.

Entre os documentos expostos, um dos mais impactantes é o registro de um leilão de pessoas escravizadas realizado na antiga fazenda São Pedro, área que corresponde hoje à usina de Santa Bárbara. Bomfim destaca que “a fazenda São Pedro, onde ocorreu o leilão, é exatamente onde fica a atual usina. Esse documento mostra que vidas negras foram leiloadas ali para pagar dívidas do proprietário”.

Outro episódio revelado pela pesquisa envolve uma menina de três anos colocada ilegalmente em leilão, embora fosse livre pela Lei do Ventre Livre. De acordo com o pesquisador, “entre os registros, encontramos uma criança de três anos sendo leiloada, mesmo já sendo livre pela Lei do Ventre Livre. Era uma criança livre que estava sendo vendida ilegalmente”. Esse comércio gerava ainda vantagem financeira ao escravocrata, pois “o proprietário poderia lucrar com a indenização do Estado. Ele comprava a criança por menos e, anos depois, recebia mais para entregá-la”.

O silêncio nos livros oficiais
Ao analisar os livros de atos da Câmara Municipal, Bomfim procurou registros até 1892 sobre a reação do Legislativo local à abolição. Ele relata que “não se discutiu nada na Câmara sobre a Lei de 13 de maio de 1888. Há uma página vazia. Esse silêncio é o que grita até hoje”.

Para o pesquisador, essa ausência de debate revela aspectos profundos da formação social da cidade, já que “esse grito aparece diariamente em nossa sociedade. A reflexão é necessária para que possamos finalmente ouvir esses gritos e buscar algum tipo de reparação”.

O presidente da Câmara Municipal de Santa Bárbara d’Oeste, Júlio César Santos, o Kifú durante entrevista à TV TODODIA. Foto: Ana Machado/TV TODODIA

Posicionamento do Legislativo
O presidente da Câmara Municipal de Santa Bárbara d’Oeste, Júlio César Santos, o Kifú (PL), ressalta a importância de receber a mostra e afirma que o Legislativo trabalha para ampliar discussões e avançar na implementação de políticas afirmativas voltadas à população afrodescendente do município. Ele acrescenta que ações afirmativas destinadas ao povo preto devem entrar na pauta ainda neste mês.

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