domingo, 23 novembro 2025
EDUCAÇÃO E INCLUSÃO

João, da etnia Baniwa, transforma aprendizado da Unicamp em força para sua comunidade

O estudante integra a primeira turma do vestibular indígena e atualmente estuda Economia
Por
Diego Rodrigues

Natural da Terra Indígena do Alto Rio Negro, no Amazonas, João percorreu um longo caminho até chegar à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Pertencente ao povo Baniwa, João integra a primeira turma do vestibular indígena e atualmente estuda Economia.

Desde a juventude, alimentava o sonho de estudar fora do Amazonas e buscar novos horizontes. Antes de se mudar para Campinas, atuava na área administrativa e acompanhava projetos comunitários que valorizam o artesanato e a produção local. Foi nesse ambiente que surgiu a chance de prestar o vestibular indígena, vista por ele como um passo importante para o crescimento pessoal e coletivo.

Pertencente ao povo Baniwa, João integra a primeira turma do vestibular indígena e atualmente estuda Economia. Foto: Guilherme Pierangeli/TV TODODIA

Desafios e conquistas
“A inscrição foi rápida, mas o difícil veio depois: o deslocamento, a adaptação em uma nova cidade, a distância da família. Mesmo assim, quando a gente tem um objetivo, segue em frente”, relata o estudante. Para João, a chegada à universidade representa uma superação e também um motivo de orgulho.

A presença na Unicamp, segundo ele, é um direito conquistado pelos povos indígenas. “A partir do momento em que a comunidade vê que a gente entrou na universidade, eles depositam confiança na gente. A gente estuda para poder voltar e ajudar a nossa região”, afirma.

Mais do que uma conquista individual, João encara a formação acadêmica como uma missão coletiva. O objetivo é aplicar o que aprende nas aulas de Economia em projetos que fortaleçam associações e famílias do Alto Rio Negro. “O que aprendo nas aulas teóricas quero colocar em prática para ajudar minha família e a população da região. O Alto Rio Negro é uma terra indígena muito grande, e o objetivo é trabalhar por todos.”

Preservando tradições
Mesmo longe de casa, o estudante se dedica a preservar as tradições do seu povo. Ele costuma se reunir com colegas de diferentes etnias para preparar comidas típicas, contar histórias e compartilhar saberes. “Aqui tem gente de várias partes do Brasil. Cada um traz sua cultura e a gente faz esse intercâmbio. Isso fortalece a gente e faz com que nos sintamos mais seguros.”

Esses encontros, conta João, ajudam a manter o vínculo com as origens e a criar uma rede de apoio entre os estudantes indígenas. “Quando a gente tem um conterrâneo do lado, a gente se sente protegido. É difícil, mas juntos a gente se fortalece.”

O vestibular indígena
O coordenador do vestibular indígena da Unicamp, João Alves, lembra que o processo seletivo foi criado em 2019 com a meta de ampliar o acesso de estudantes indígenas ao ensino superior. Antes da iniciativa, o número de ingressantes era muito reduzido. Em 2018, apenas sete estudantes indígenas entraram entre os mais de 3.500 aprovados. Hoje, a média é de aproximadamente 130 novos alunos por edição.

“A ideia é garantir que os candidatos concorram entre pessoas que tiveram experiências educacionais semelhantes. Muitas escolas indígenas ficam em regiões afastadas, com estrutura limitada e poucos professores. O vestibular oferece uma forma mais justa de seleção e respeita as particularidades da formação desses estudantes”, explica.

Desde o início, a universidade mantém diálogo constante com lideranças e alunos indígenas, que hoje participam ativamente das decisões sobre o processo. “Os estudantes são exigentes em relação aos seus direitos e contribuem com sugestões sobre locais de prova, acompanhamento e políticas de permanência”, destaca o coordenador.

“A ideia é levar a universidade até os povos originários. Realizar o vestibular em regiões amazônicas facilita o acesso e demonstra o compromisso da Unicamp com a inclusão”, afirma o coordenador do vestibular indígena da Unicamp João Alves. Foto: Divulgação/Unicamp
Adaptação
Para facilitar a adaptação à vida acadêmica, a Unicamp criou um curso de formação geral no primeiro ano. As aulas de português, matemática e outras disciplinas auxiliam na integração aos cursos de graduação. A maior parte dos ingressantes vem da região amazônica, especialmente dos estados do Amazonas e Pará.

A presença dos estudantes indígenas também transformou a universidade. “Eles ampliaram o debate sobre sustentabilidade e preservação ambiental e inspiraram a valorização dos saberes tradicionais”, comenta o coordenador.

Nos últimos anos, a Unicamp passou a aplicar as provas em cidades como São Gabriel da Cachoeira e Tabatinga. “A ideia é levar a universidade até os povos originários. Realizar o vestibular em regiões amazônicas facilita o acesso e demonstra o compromisso da Unicamp com a inclusão. É uma forma de oferecer oportunidades reais de futuro e fortalecer o vínculo entre a universidade e as comunidades indígenas”, afirma o coordenador.

Inscrições abertas
As inscrições para o vestibular indígena 2026 estão abertas até 28 de novembro. Podem participar estudantes de etnias indígenas de todo o país que tenham cursado escolas públicas. A prova será aplicada em diversas cidades, incluindo São Gabriel da Cachoeira e Tabatinga, no Amazonas.

Entre livros, culturas e novos desafios, João segue determinado a transformar o conhecimento adquirido na Unicamp em força para o desenvolvimento do povo Baniwa e de toda a região do Alto Rio Negro. “A mentalidade está voltada para o meu povo. Conforme o ensino avança, novas ideias surgem, mas o objetivo é continuar ajudando a população”, afirma.

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