segunda-feira, 5 maio 2025
SEGURANÇA PÚBLICA

Uso das câmeras corporais pela PM reduz letalidade policial, mas flexibilização impacta indicadores, mostra levantamento

Relatório publicado em 2023 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontou que o número de mortes em intervenções policiais durante o serviço caiu 62,7% em SP
Por
Nicoly Maia

Em 2024, foram registradas 211 mortes em ações policiais envolvendo dez batalhões da Polícia Militar paulista. Apenas cinco deles utilizavam câmeras corporais — entre eles, o que lidera o ranking de letalidade policial: o batalhão responsável pelas Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota).

Na região de Campinas, o 47º BPM/I ocupou o 4º lugar nesse ranking e não conta com o uso do equipamento, segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, baseado em dados do Ministério Público.

Até o fim de 2022, 62 dos 135 batalhões da PMESP integravam o Programa Olho Vivo. Entre eles, estão batalhões do interior paulista, como o CPI-1 (São José do Rio Preto), o CPI-2 (Campinas), o CPI-6 (Santos) e o CPI-9 (Piracicaba).

QUANDO A INICATIVA FOI IMPLANTADA?

O programa foi lançado em julho de 2020, durante o governo de João Doria, com apenas 500 câmeras. Após processo licitatório, foram adquiridas 2.500 unidades, inicialmente distribuídas a 18 batalhões localizados, principalmente, na Região Metropolitana de São Paulo, na Baixada Santista, em Campinas e em São José dos Campos.

Relatório publicado em 2023 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o UNICEF apontou que, entre 2019 e 2022, o número de mortes em intervenções policiais durante o serviço caiu 62,7% em todo o estado — mas de forma desigual. Nas áreas sem câmeras corporais, a redução foi de 33,3%. Já nas unidades que adotaram o uso do equipamento, a queda chegou a 76,2%.

O Instituto Sou da Paz também registrou que a letalidade policial caiu mais de 50% nos batalhões que utilizavam as câmeras, incluindo os especializados, que atuam em ocorrências de maior risco.

Modelo de câmeras corporais acopladas ao uniforme. Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

“O uso da câmera produz um impacto imediato na forma como a polícia se comporta nas ruas durante suas operações. Mas só o uso das câmeras não vai resolver o problema da letalidade policial por si só”, comenta Gabriel Vituri, pesquisador do Grupo de Antropologia do Policiamento e da Segurança (GAPS/Unicamp) e doutor em Ciências Sociais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH/Unicamp).

ETAPAS DISTINTAS

A trajetória do programa pode ser dividida em dois momentos: o primeiro, em que é possível observar uma queda na letalidade policial; e um segundo, em que há uma flexibilização do governo em relação ao projeto, resultando no aumento da letalidade policial, de acordo com Cristina Neme, coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz.

“Nós observamos que houve uma queda importante na mortalidade de adolescentes e jovens nesse primeiro momento. É importante lembrar qual é o perfil mais vitimado nos confrontos policiais: são os homens, meninos e pessoas negras. É preciso destacar também que, quando há essa redução, existe um impacto direto sobre a população mais vitimada pela violência em geral no país”, reforça Cristina.

Segundo o pesquisador de antropologia do policiamento e da segurança, o projeto teve impacto real, mas ainda enfrenta desafios com as câmeras corporais: “É uma política que precisa de continuidade, adaptação e desenvolvimento.”

A implementação do programa foi feita de forma gradual, com a adesão dos batalhões ocorrendo em etapas marcadas por cinco datas principais. A primeira delas foi em agosto de 2020, quando as câmeras corporais começaram a ser utilizadas por três batalhões localizados na capital. Em junho de 2021, o número aumentou significativamente com a entrada de mais 15 unidades, incluindo três Batalhões de Ações Especiais de Polícia (BAEP) e o 1º Batalhão de Choque, conhecido como ROTA. Já em janeiro de 2022, outros 16 batalhões passaram a integrar o programa. Quatro meses depois, em maio, mais 13 batalhões foram incluídos. O ciclo de expansão se completou em agosto de 2022, quando outras 15 unidades passaram a utilizar as câmeras operacionais portáteis (COP). 

MEDIDAS COMPLEMENTARES

O uso da câmera tem impacto imediato na forma como a polícia atua nas ruas durante as operações. Mas, sozinho, o equipamento não resolve o problema da letalidade policial”, afirma Gabriel Vituri, pesquisador do Grupo de Antropologia do Policiamento e da Segurança (GAPS/Unicamp) e doutor em Ciências Sociais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH/Unicamp).

Segundo Cristina Neme, coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, a trajetória do programa pode ser dividida em duas fases: a primeira, marcada por uma redução significativa da letalidade policial; e a segunda, por uma flexibilização das diretrizes do governo, que teria contribuído para o aumento nos números.

“Nós observamos uma queda importante na mortalidade de adolescentes e jovens nesse primeiro momento. É fundamental lembrar o perfil das principais vítimas de confrontos com a polícia: homens, adolescentes e pessoas negras. Quando há uma redução nas mortes, o impacto é direto sobre a população mais atingida pela violência no país”, destaca Cristina.

Para Vituri, apesar dos desafios, o projeto teve efeitos concretos: “É uma política que precisa de continuidade, adaptação e desenvolvimento.”

A implementação do uso das câmeras corporais foi feita de forma gradual, com adesão escalonada dos batalhões, distribuída em cinco etapas principais. A primeira ocorreu em agosto de 2020, com a adoção do equipamento por três batalhões da capital. Em junho de 2021, o número aumentou com a entrada de mais 15 unidades, entre elas três Batalhões de Ações Especiais de Polícia (BAEP) e o 1º Batalhão de Choque, conhecido como Rota. Em janeiro de 2022, outros 16 batalhões aderiram ao programa. Quatro meses depois, em maio, mais 13 foram incluídos. O ciclo de expansão se encerrou em agosto de 2022, com a incorporação de outras 15 unidades ao uso das Câmeras Operacionais Portáteis (COPs).

O QUE DIZ A POLÍCIA MILITAR?

Segundo a Polícia Militar do Estado de São Paulo, os equipamentos são fixados no uniforme, à altura do peito, permitindo um ponto de captação de imagens privilegiado para registrar com fidelidade as ações dos agentes.

Até 2024, as gravações eram ininterruptas, com dois tipos de registro: os vídeos de rotina, captados automaticamente sem acionamento; e os vídeos intencionais, ativados manualmente pelo policial e que incluem também os 90 segundos anteriores à ativação.

O uso das COPs foi implantado no 48º Batalhão de Polícia Militar do Interior em 2021. “O equipamento, acoplado ao uniforme, realiza gravação automática e contínua de todas as atividades desempenhadas pelo policial militar durante o turno de serviço. Entre as ações registradas estão abordagens, fiscalizações, buscas pessoais, vistorias, atendimentos a acidentes e outras interações com o público, independentemente de acionamento manual”, informou o batalhão, em nota enviada à TV TODODIA.

Nota à imprensa referente à utilização das Câmeras Operacionais Portáteis (COP’s) no âmbito do 48º BPM/I.

“A utilização desse recurso tecnológico tem se mostrado decisiva para o fortalecimento da produção de provas em procedimentos criminais, viabilizando o encaminhamento dos casos à Justiça, mesmo na ausência de manifestação da vítima”, ainda de acordo com o batalhão.

Em setembro de 2024, o Governo de São Paulo assinou um contrato com a empresa Motorola para a aquisição de 12 mil novas câmeras corporais portáteis (COPs) para a Polícia Militar. Segundo nota da Secretaria de Segurança Pública, seriam 10.125 novas câmeras, com um custo de R$96 milhões anuais ao governo.

Nota da Secretaria de Segurança Pública sobre o assunto.

“No início do programa, havia um consenso de que as gravações precisavam ser ininterruptas. Agora, já foram licitadas câmeras que flexibilizam esse controle, o que representa uma redução na rigidez da fiscalização sobre a conduta policial”, afirma Gabriel Vituri, pesquisador do Grupo de Antropologia do Policiamento e da Segurança (GAPS/Unicamp) e doutorando em Ciências Sociais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH/Unicamp).

Diferentemente do modelo original, as novas câmeras adquiridas pelo governo não gravam de forma contínua. Elas dependem de acionamento manual por parte do policial em campo ou de agentes no COPOM. Com o fim das gravações de rotina, se a câmera não for acionada, nenhuma imagem será registrada.

“São Paulo conseguiu superar o desafio de fazer com que o policial registrasse tudo, adotando a gravação ininterrupta. Esse foi um dos pilares do sucesso do programa. E é justamente isso que o governo estadual pretende mudar”, critica Daniel Edler Duarte, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP.

Segundo ele, a mudança pode comprometer a transparência das ações policiais: “Com esse novo modelo, será comum termos casos de uso da força sem nenhum registro que permita entender o que aconteceu e avaliar se a conduta do policial foi adequada ou não.”

LINHA DO TEMPO

Os contratos das câmeras corporais somaram R$ 96,3 milhões em 2023 — valor que corresponde a apenas 0,7% do total de gastos empenhados pela Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) e 0,47% do orçamento das forças policiais estaduais, segundo dados da Plataforma JUSTA.

Apesar da importância do programa, o governo paulista cortou ao menos R$ 37,3 milhões do orçamento destinado às câmeras corporais. A previsão inicial para 2023 era de um investimento de R$ 152 milhões no sistema de monitoramento em tempo real da atuação policial, conforme apuração da Agência Brasil.

Especialistas apontam que a política pública das câmeras corporais começou a se enfraquecer em 2023. “Há uma mudança na mensagem transmitida pelas lideranças — pelos gestores — e essa sinalização é interpretada pela tropa nas ruas. A mensagem institucional é estratégica para o sucesso ou fracasso de uma política pública”, avalia Leonardo Carvalho, pesquisador sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Em maio de 2024, o Governo do Estado lançou um novo edital para aquisição de câmeras, desta vez com mudanças no funcionamento dos equipamentos. As novas unidades deixam de contar com gravação ininterrupta e passam a registrar apenas áudio e vídeo após acionamento manual, feito pelo policial durante a ocorrência ou por um agente no Centro de Operações da Polícia Militar (COPOM).

Em 2024, as câmeras ininterruptas sofrem uma alteração. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

“São escolhas políticas e institucionais que impactam diretamente os indicadores de segurança”, afirma Cristina Neme, coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz. Ela destaca que o aumento recente da letalidade policial reflete uma mudança na condução da política pública. “Essa mudança produziu um resultado bastante negativo, com o crescimento no número de mortes em várias regiões do estado, inclusive em Campinas e Americana.”

Pesquisadores apontam que a flexibilização do uso das câmeras compromete os resultados esperados da política, que incluem não apenas a redução da letalidade policial, mas também a diminuição de mortes de policiais em serviço.

Para Gabriel Vituri, pesquisador da área de policiamento e segurança, o argumento de que a mudança foi feita para garantir maior autonomia aos policiais tem motivação política. “A ideia de que as câmeras enfraquecem a autoridade do policial é um discurso político. Na maioria das vezes, vem acompanhado de mais repressão, violência e truculência.”

Em resposta, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo informou que, em agosto de 2024, firmou contrato para aquisição de 12 mil novas câmeras corporais, ampliando a cobertura do programa em 18,5%. Segundo a pasta, os novos equipamentos têm maior autonomia de bateria, melhor qualidade de som e imagem, além de funcionalidades adicionais. As câmeras estão em fase de testes de campo e, após essa etapa, serão distribuídas às unidades com base em critérios técnicos. Ainda de acordo com a SSP, os equipamentos seguem as diretrizes da Portaria nº 648/2024 do Ministério da Justiça e estão em conformidade com as normas vigentes.

Cristina Neme reforça que os resultados positivos observados no início do programa foram fruto da política de gravação ininterrupta. “Toda política pública enfrenta o desafio de ser implementada e efetivada. Com as gravações contínuas, tivemos resultados expressivos. Essa eficácia não se repetiu quando o programa foi flexibilizado. Portanto, não é apenas uma questão técnica, mas uma escolha política.”

AS CÂMERAS PREJUDICAM A POLÍCIA?

Nos dois primeiros anos de funcionamento do programa, foi possível observar avanços tanto na quantidade quanto na qualidade dos relatórios elaborados pelos policiais militares, além de um aumento no número de prisões em flagrante.

Para Daniel Edler Duarte, pesquisador de pós-doutorado da FAPESP no Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), o principal objetivo das câmeras corporais é garantir “maior segurança para os próprios policiais”. Sua pesquisa atual investiga o uso de novas tecnologias na segurança pública, com foco em dispositivos de vigilância biométrica e policiamento preditivo.

Pesquisadores afirmam que as câmeras possibilitam maior segurança aos policiais. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Segundo nota do 48º Batalhão da Polícia Militar, as câmeras corporais em uso na unidade também beneficiam os próprios agentes. “Os registros contribuem significativamente para a garantia dos direitos individuais dos cidadãos e para a proteção da atuação dos policiais militares, promovendo maior transparência e legitimidade às ações institucionais. A eficácia da utilização das COPs é de 100%, uma vez que o uso do equipamento, quando disponível e em plenas condições de funcionamento, é obrigatório para todo o efetivo”, informa o batalhão.

Para o pesquisador Daniel Edler Duarte, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, as câmeras corporais são aliadas do trabalho policial. “Elas ajudam a dar mais transparência à atividade cotidiana do policial e são úteis tanto na produção de evidências que sustentam prisões em flagrante, quanto no controle do uso ilegal da força — um problema crescente em São Paulo”, destaca.

O Instituto Sou da Paz também defende o uso das câmeras como ferramenta de modernização institucional. “É um instrumento de profissionalização e proteção do policial, além de oferecer mais transparência às ações da corporação. Esse é um elemento fundamental para o funcionamento de qualquer polícia em uma sociedade democrática, porque o uso da força não pode ser banalizado”, afirma Cristina Neme, coordenadora de projetos da organização.

Além da transparência, os dispositivos também têm efeito dissuasório, contribuindo para abordagens mais civilizadas. “Tanto o policial quanto a pessoa abordada tendem a agir com mais respeito. A interação é pacificada, e isso reduz casos de agressão, seja física ou verbal”, reforça Daniel Edler Duarte.

ACUSAÇÃO DE FRAUDE PROCESSUAL

Embora representem um avanço na fiscalização da atividade policial, as câmeras corporais não asseguram transparência total. “Elas estão acopladas ao corpo do policial, ou seja, oferecem apenas a perspectiva dele. Há ainda uma série de fatores técnicos e sociais que interferem na qualidade e na interpretação das imagens”, explica Daniel Edler Duarte, do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Ele aponta como elementos críticos a amplitude do campo de visão, a velocidade de gravação e a qualidade do áudio e do vídeo.

Mesmo com a gravação contínua, há registros de tentativas de burlar o sistema. Gabriel Vituri, pesquisador do Grupo de Antropologia do Policiamento e da Segurança (GAPS/Unicamp), destaca: “Já temos diversos relatos e registros de casos em que policiais conseguiram driblar o monitoramento, mesmo com a gravação ininterrupta.” Segundo ele, há situações em que câmeras foram cobertas propositalmente ou agentes se posicionaram de forma a não registrar a ação de colegas.

Especialistas comentam como a má utilização das câmeras pode afetar judicialmente um cidadão e o policial. Foto: PMSP/Divulgação

Um caso emblemático envolvendo o uso de câmeras corporais ocorreu em 2021, em São José dos Campos. Segundo a Folha de S.Paulo, policiais foram investigados pela Corregedoria da Polícia Militar por supostamente tentarem interferir nas gravações para impedir a produção de provas contra si próprios. Os agentes responderam por homicídio doloso, fraude processual, prevaricação e falsidade ideológica. A situação ganhou repercussão nacional após a divulgação das imagens, que evidenciaram a tentativa de ocultar o assassinato de um homem desarmado.

O episódio reforça a necessidade de cautela ao interpretar o material captado pelas câmeras. Especialistas alertam que a imagem registrada não deve ser considerada, por si só, uma representação absoluta da realidade. “As diferentes imagens levam a diferentes interpretações sobre o fato. A imagem não é uma verdade em si — é apenas mais uma evidência sobre aquela interação”, afirma Daniel Edler Duarte, do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Ele alerta ainda que, se utilizadas de forma inadequada ou interpretadas sem o devido cuidado, essas gravações podem inclusive reforçar desigualdades: “Muitas vezes, as imagens amplificam a narrativa do próprio policial.”

Gabriel Vituri, do Grupo de Antropologia do Policiamento e da Segurança (GAPS/Unicamp), também defende uma análise crítica dos registros. “Precisamos reconhecer os limites do que uma imagem pode revelar. É necessário manter isenção e distanciamento, porque o policial implicado numa ocorrência nem sempre tem o discernimento para decidir se aquela ação deve ou não ser gravada.”

‘DESPOLICIAMENTO’

o debate sobre o uso de câmeras corporais por policiais, um dos argumentos mais recorrentes é o chamado “despoliciamento” — a ideia de que os agentes se tornariam mais passivos ou retraídos por estarem sendo monitorados. No entanto, pesquisas recentes têm contestado essa percepção. “Existem análises específicas sobre o caso de São Paulo que mostram que esse efeito não ocorre. Não há redução no número de abordagens, de prisões em flagrante ou no registro de boletins de ocorrência por parte dos policiais”, afirma Daniel Edler Duarte, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP.

Em 2024, o Ministério da Justiça e Segurança Pública publicou uma revisão de estudos científicos sobre o tema. O relatório concluiu que não há evidências consistentes de que o uso de câmeras corporais provoque despoliciamento. Ao contrário: a maioria dos estudos analisados aponta que esse efeito não se verifica na prática.

Para Gabriel Vituri, do Grupo de Antropologia do Policiamento e da Segurança (GAPS/Unicamp), os reais fatores de desmotivação na corporação são estruturais. “Baixos salários, a necessidade de fazer bico… São questões que desmotivam os policiais, e não o fato de estarem sendo monitorados”, afirma o pesquisador, que também é doutorando em Ciências Sociais pelo IFCH/Unicamp.

Segundo pesquisadores o “despoliciamento” não é uma prática da polícia do Estado de São Paulo. Foto: Divulgação Governo de São Paulo

Uma das questões frequentemente levantadas é sobre a privacidade do policial durante o uso contínuo das câmeras. No entanto, essa preocupação deve ser contextualizada. A partir do momento em que o policial veste a farda, ele representa a instituição e está em serviço. “Não é a privacidade do policial que está em jogo, mas sim a sua atuação funcional”, afirma Rafael Dezidério de Luca, advogado criminalista, mestrando em criminologia pela Faculdade de Direito da USP e especialista em Direito Penal Econômico pela FGV-SP.

Dezidério de Luca reforça que essa questão é “um problema minúsculo, perto dos efeitos positivos que as câmeras têm gerado, em todos os pontos que podemos explorar.” Ele destaca a eficácia das câmeras corporais na implementação dos direitos fundamentais e das garantias constitucionais no Brasil.

Além disso, a presença da câmera fortalece o direito à prova, o contraditório e o devido processo legal. Ao documentar a abordagem, a gravação introduz um mecanismo de controle que não depende apenas do relato do policial. Em crimes patrimoniais ou relacionados à lei de drogas, por exemplo, a prova muitas vezes se baseia quase exclusivamente no testemunho do agente. Com a câmera, há a possibilidade de uma “prova terceira”, objetiva e tecnológica, que, se preservada sua cadeia de custódia, pode evitar injustiças. “Com a câmera, podemos ter uma prova que defina, e inclusive previna, condenações e acusações injustas”, complementa o advogado.

Ao fim, o uso das câmeras protege tanto os policiais quanto os cidadãos. Direitos como o de não ser agredido, o direito à vida, à integridade física, à justa acusação e ao devido processo legal ganham uma camada adicional de proteção. “Temos aqui uma constituição mais justa no processo penal, à medida que a abordagem tem um mecanismo de controle que não seja apenas a palavra do policial”, conclui Rafael Dezidério de Luca.

*Sob supervisão de Airan Prada – MTb 0078845

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