A volante Jéssica, jogadora do Rio Preto, retrata bem a realidade do futebol feminino brasileiro.
Aos 37 anos, ela concilia a função de atleta com a de preparadora física do seu atual clube, além de trabalhar como professora de escolinha de futebol para meninas em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. Com a jornada tripla de trabalho, ela ganha em torno de R$ 3 mil.
“Acumulei as funções para aumentar a minha renda, porque com o que ganho com o futebol não dá para viver. Você joga futebol feminino no Brasil apenas para sobreviver, afirma Jéssica.
“Eu dou o treino e faço os exercícios simultaneamente. Ainda não tive problema com minhas companheiras, até porque elas são bem conscientes e sabem da importância de estarem bem preparadas fisicamente. Às vezes tenho a ajuda de alguns estagiários”, diz ela, formada em educação física desde 2004.
A volante começou a acumular as funções em 2015. Na época, decidiu se aposentar dos gramados porque houve um corte no auxílio repassado pela prefeitura. Então, foi convidada para ser a preparadora física da equipe. Assim, teria tempo para se dedicar a outra profissão na expectativa de um futuro melhor.
Ela ficou de forma exclusiva na nova função no time até março. Logo após a eliminação nas quartas de final da Copa do Brasil, recebeu o convite da coordenadora técnica da equipe, Doróteia de Souza, para acumular os cargos.
Aceitou, mas sem imaginar o que estaria por vir. Nove meses depois, marcou o gol que garantiu ao clube o inédito título do Brasileiro sobre o São José. Nas duas temporadas seguintes, sagrou-se bicampeã paulista após desbancar o favorito Santos na decisão.
Antes de acumular o cargo de preparadora física e jogadora no Rio Preto, Jéssica já trabalhava como professora em uma escolinha de futebol da prefeitura para meninas de 13 a 18 anos. Desde 2008, ela dá aula no local duas vezes por semana.
De lá, saiu a volante e lateral esquerda Karina, 21, hoje titular do Rio Preto. “Dar um sentido de vida para essas crianças e adolescentes é o mais importante”, afirma a volante.
Ela tem experiência e vivência para aconselhar as meninas e explicar as dificuldades que passou antes e durante a carreira. Assim como muitas atletas, sofreu preconceito quando começou a praticar a modalidade.
FORMAÇÃONatural de Iacanga (SP), cidade com cerca de 11 mil habilitantes e que fica a aproximadamente 160 quilômetros de São José do Rio Preto, Jéssica começou a jogar futebol na infância, mesmo com a resistência dos pais. Ela só se entregou de vez ao esporte com dez anos após a morte do pai.
Além do Rio Preto, onde está desde 1999, a jogadora atuou no Marília, São Paulo, São Bernardo/Palmeiras e Marsalla Calcio-Italia.
O ciclo no time de São José do Preto e a jornada tripla de trabalho de Jéssica, porém, estão com os dias contados. Aliás, com as horas.
Ela já decidiu que vai se aposentar dos gramados hoje, quando sua equipe decide o título da Série A1 do Brasileiro diante do Corinthians. O jogo está marcado para o Parque São Jorge, às 20h30.
Como venceu a primeira partida por 1 a 0, o Corinthians precisa de um empate para conquistar o título inédito da competição. Já o Rio Preto necessita vencer por dois gols de vantagem para faturar o bicampeonato -foi campeão em 2015- ou um para levar a decisão para os pênaltis.
“Estou com 37 anos e ainda me sinto bem fisicamente, mas chegou a hora de parar e procurar coisas novas. Tenho que buscar outra profissão para pensar no meu futuro. O futebol feminino no Brasil não dá dinheiro. Quero continuar no futebol, mas em outra área. Vou fazer cursos para me especializar”, concluiu a finalista do Brasileirão.