sábado, 23 novembro 2024

Voluntários da Olimpíada sofrem com espera por vacina e falta de informação

Em março de 2020, devido a pandemia do coronavírus, a Olimpíada foi adiada para julho de 2021

Foi nas arquibancadas de um jogo Brasil x Inglaterra, no estádio Shizuoka Ecopa, na cidade japonesa de Fukuroi, que a tradutora Marina Suzuki, 58, se apaixonou por esportes. Eram as quartas de finais da Copa de 2002, realizada entre Coreia do Sul e Japão, que terminaria com o Brasil pentacampeão mundial.

Suzuki, uma brasileira radicada há 30 anos no Japão, ficou impressionada com a organização nipônica e o clima de festa verde-amarela no campeonato de futebol.

Onze anos depois, em 2013, quando o Japão foi escolhido para sediar a Olimpíada de 2020, ela já estava decidida a participar do megaevento esportivo para reviver o clima festivo, desta vez mais de perto. “Era um sonho ser voluntária na Olimpíada. Eventos dessa dimensão dependem muito de voluntários e eu queria fazer parte dessa história”, diz.

Além da língua japonesa, Suzuki estudou inglês para ter mais chances de ser selecionada para o voluntariado da Tóquio-2020. Escolhida para preencher uma das 80 mil vagas disputadas por mais de 200 mil candidatos, ela também fez treinamentos promovidos pelo comitê organizador -o último presencial foi realizado em dezembro de 2019.

Viria a pandemia de Covid-19. Em março de 2020, quando a Olimpíada foi adiada para julho de 2021, o sonho também foi postergado.

“Pensando só com o coração, gostaria que os jogos acontecessem, é mil por cento de vontade. Pensando com a razão, não tenho 100% de certeza, o dia vai chegando, as variantes do vírus vão chegando e muitos de nós, voluntários, ainda não fomos vacinados. Não tenho ideia de quando chegará a minha vez”, relata ela, moradora de Nishio, na província de Aichi, que precisará se deslocar todos os dias de trem e ônibus para Izu, na província de Shizuoka, onde atuará como concierge voluntária de um hotel que receberá atletas olímpicos.

“Desistir é difícil, pois foi um longo caminho até aqui. Mas, como asmática e com quase 60 anos, preciso ponderar o coração e a razão”, conta Suzuki, que também participou da passagem da tocha olímpica em Nagoya (Aichi), em abril, e se voluntariou para atuar na aclimatação dos atletas brasileiros paraolímpicos em Hamamatsu (Shizuoka), em agosto. “Se tiver a Tóquio-2020, quero participar na medida do meu possível. Se não tiver, também vou entender.”

Assim como Suzuki, muitos voluntários estão na “linha de frente” da Olimpíada que deve se iniciar no dia 23 de julho, mas não sabem se serão vacinados a tempo do início dos jogos.

Após barrar a entrada da maioria dos voluntários vindos de fora (decisão divulgada pelos organizadores no fim de março), a Tóquio-2020 contará principalmente com japoneses ou estrangeiros já residentes no arquipélago. Entretanto, voluntários vão ficar de fora da “bolha olímpica” que se pretende formar ao redor de atletas, delegações, jornalistas e demais profissionais.

Escalados para atuar em diversas áreas de apoio a atletas e espectadores, eles irão receber uniformes, alimentação, ajuda de custo de mil ienes por dia (cerca de R$ 47) e “seguro específico” para as atividades, que não foi detalhado pela organização. A expectativa é a de que eles também ganhem, no mínimo, máscaras de pano e frascos de álcool gel.

Até agora, eles não estão incluídos nem nos grupos prioritários da campanha de imunização japonesa, nem no acesso a testes diários previstos para os participantes dos jogos.

A página 12 do playbook da Olimpíada para profissionais contratados e voluntários, diz que, entre responsabilidades e riscos, os participantes concordam em “participar dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos por sua conta própria e risco”.

Voluntários estão recebendo os kits com os uniformes nesta semana. A austríaca Petra Kuhl*, 60, instalada em Tóquio, é uma delas.
Fã de esportes, Kuhl também vem alimentando expectativas desde a escolha da metrópole japonesa para ser sede da Olimpíada. Ela, que já foi voluntária no WTA Hong Kong Tennis Open (o torneio internacional de tênis feminino), fez treinamentos em março e novembro de 2019 e em janeiro de 2020.

Mas a animação minguou: “Estou frustrada com a fraca comunicação do comitê organizador nas ações de enfrentamento à Covid e na definição dos papéis específicos de cada voluntário”, diz ela, cujo voluntariado já foi confirmado pelos organizadores, mas que ainda não sabe exatamente o que deverá fazer na Olimpíada.

Kuhl não espera ser vacinada até o próximo mês “a menos que um milagre aconteça” -até 2 de junho, o Japão imunizou inteiramente apenas 2,9% da população, o pior desempenho entre os países do G7, o grupo de nações mais desenvolvidas do mundo.

“É de partir o coração ter de ler constantemente na imprensa que ‘os Jogos serão seguros pois todos estarão em uma bolha’ sem mencionar voluntários e outros trabalhadores que vão precisar se deslocar pela cidade diariamente. Onde está nossa bolha se nós não estivermos vacinados?”

Na pandemia, muitos desistiram da Olimpíada. Em fevereiro, cerca de mil voluntários abandonaram o evento após declarações sexistas do então presidente da Tóquio-2020, Yoshiro Mori –que viria a renunciar por conta da crise. Em maio, os organizadores tentaram recrutar 200 médicos e 500 enfermeiros para trabalhar na Olimpíada, o que também despertou diversas críticas no país, majoritariamente contrário aos Jogos.

Nesta semana, a agência japonesa NHK revelou que dos 80 mil voluntários esperados para Tóquio-2020, ao menos 10 mil já comunicaram que não irão mais trabalhar nos Jogos.

Procurada pela reportagem, a organização do evento informou que 80 mil ainda é o número oficial do voluntariado. “Desistências não foram divulgadas ao público até o momento. Pretende-se apresentar estatísticas atualizadas referente aos voluntários antes do início dos Jogos.”

Para a acadêmica americana Mary Smith*, 33, desde 2016 instalada no Japão, ser voluntária na Olimpíada também simbolizava uma “oportunidade única” de participar de um evento esportivo histórico. No entanto, a demora nas vacinas foi a gota d’água. Imunocomprometida, ela tinha sido escalada para trabalhar na vila olímpica de Tóquio, mas desistiu ao constatar que não seria vacinada a tempo.

“Para mim, a Olimpíada simbolizava cooperação internacional e intercâmbio cultural. Agora, simboliza ganância corporativa e insensibilidade”, define Smith. “Isso ficou óbvio quando Thomas Bach [presidente do COI, o Comitê Olímpico Internacional] se referiu a ‘sacrifícios para tornar os sonhos olímpicos realidade'”, ela diz.

“Sacrifícios, nesse contexto, quer dizer a segurança e a saúde dos residentes no Japão, imagino eu. Sonhos olímpicos são mais importantes que os sonhos das pessoas comuns ou as vidas de suas famílias? Penso que o significado real dos jogos foi desconsiderado”, completa.

Nos primeiros dias de maio, o COB (Comitê Olímpico Brasileiro) publicou anúncio divulgado pela Embaixada do Japão no Brasil buscando voluntários para atuar junto às delegações olímpicas do Time Brasil.

Há vagas abertas para motoristas em Tóquio e Ichinomiya (Chiba), com remuneração US$ 110 (o equivalente a R$ 576) por uma jornada de 11 horas de trabalho, e vagas para voluntários em diferentes áreas, com pagamento de valor simbólico de US$ 30 (R$ 157) por dia. Além do domínio de português (ou inglês) e japonês, o critério de seleção é “ser confiável, disciplinado, comprometido e pontual”.

As inscrições ainda estão abertas e, até o momento, eles receberam 97 candidaturas para as vagas de motoristas e 123 para as de voluntários. “Dado o contexto de restrições e algumas indefinições, certamente é além do esperado”, diz o comitê.

*Nomes fictícios a pedido dos entrevistados

NÚMERO E FUNÇÃO DOS VOLUNTÁRIOS ESPERADOS, POR ÁREA, EM TÓQUIO-2020
– 16 a 25 mil guias
Guiar espectadores e outros participantes pelas instalações, conferir ingressos, dar assistência nos aeroportos e hotéis
– 15 a 17 mil nos eventos
Apoio operacional nos centros de treinamentos e nas arenas de competição
– 10 a 14 mil nos transportes
Dirigir veículos levando participantes dos jogos entre instalações
– 8 a 12 mil no suporte pessoal
Receber delegações estrangeiras nos aeroportos e instalações, atuar como tradutores durante a estadia dos atletas, inclusive em entrevistas à imprensa internacional
– 8 a 10 mil no suporte operacional
Distribuir uniformes e demais materiais, imprimir crachás para os participantes, realizar o check-in das delegações diariamente nas instalações
– 4 a 6 mil no setor de saúde
Levar atletas feridos a atendimento médico e ajudar nos testes de doping
– 2 a 4 mil no setor de tecnologia
Inclusão de dados do dia e divulgação de resultados dos jogos nos painéis
– 2 a 4 mil no setor de mídia
Assistência a profissionais da imprensa internacional e nacional para entrevistas, entrevistas coletivas, cobertura fotográfica e de vídeo, publicar o boletim da vila olímpica
– 1 a 2 mil no cerimonial
Assistência a cerimônias, guiando atletas para receber medalhas, por exemplo

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