terça-feira, 2 julho 2024

É preciso somar saberes

Por Rev. André Luís Pereira
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Por André Luís Pereira
Foto: Reprodução

Há alguns dias, uma pessoa em grande sofrimento emocional e relacional me procurou para aconselhamento horas após ter passado pelo atendimento de um outro ministro religioso que afirmou que essa tal pessoa deveria parar com a terapia, pois tudo o que ela necessitava está revelado nas Escrituras Sagradas; o referido ministro ainda disse a tal pessoa que ela não precisava de terapeuta, apenas de Deus. Atendi e a aconselhei a continuar com a terapia.


Acho um absurdo que líderes religiosos se coloquem no trono do “único saber” e, assim, demonizem os demais conhecimentos e ciências. Fico pensando que, se somente Deus é suficiente, quando eles ou seus familiares adoecem, não devem tomar medicação e nem procurar profissionais de saúde. É uma ignorância e hipocrisia sem tamanho.


Aliás, pessoas que recebem tal orientação, deveriam denunciar tais ministros religiosos, pois estes colocam em risco a saúde de quem aconselham.


Dizer à comunidade religiosa que é errado procurar tratamento emocional é, também, assumir para si os desdobramentos de todo sofrimento e adoecimento de seus membros. Afirmo, com tranquilidade que quem assim pensa e age, é ainda mais carente de tratamento emocional.


Essa cultura de alguns religiosos de desconstruir o outro para que possa se afirmar, por si só, já é doentia. É de uma pobreza bíblica, teológica e cultural, sem tamanho. É uma orientação antibíblica.
Não, a Bíblia não tem a resposta pra todas as coisas, uma vez que a Bíblia é, em sua essência, a história da revelação do amor de Deus por nós, na pessoa de seu filho, Jesus de Nazaré. A Bíblia não é uma bula medicamentosa, muito embora, a partir da leitura de alguns textos, nos sintamos confortados. Porém, conforto não é cura, é paliativo.


Os escritores bíblicos não entendiam de dores, doenças e psiquismo. A maioria deles, provavelmente, tivesse dificuldade com o próprio vocábulo e/ou escrita. Como, então, prescrever as Escrituras Sagradas como cura para as enfermidades humanas? Jesus disse aos seus contemporâneos: “vocês erram porque não conhecem as Escrituras e nem o poder de Deus”; e quando Jesus faz tal afirmação, não está falando apenas de lógica ou de informação textual. A gente erra quando não compreende o teor bíblico-teológico-espiritual das Escrituras; a gente erra quando, arrogantemente, considera que as doutrinas das instituições cristãs contêm toda a verdade em si e, por isso, desdenha o outro e os outros (mesmo que seja o conhecimento).


Deus não está em contraposição ao conhecimento e nem às ciências. Aliás, visto que fomos criados à sua imagem e semelhança, carregamos conosco a capacidade criativa e de transformação. Nenhuma medicação (até onde sei) é produzida a partir do nada, do zero, ou seja, sem nenhuma matéria prima. O ser humano, até onde sei, não conseguiu criar nada a partir do nada. Desta forma, se de fato alguns desses líderes religiosos conhecem as Escrituras e creem em Jesus, sabem que Ele é o criador de toda matéria prima e deu aos homens (sua criação mais importante), a liberdade e a capacidade para transformar o que fora criado para o seu bem pessoal e comunitário. Assim, é de uma terrível ignorância o impedimento de processos medicamentosos e/ou terapêuticos.


Há de se considerar que, nenhum pastor, padre, bispo, apóstolo, presbítero, ou seja qual tipo de liderança religiosa for, tem autoridade sobre as escolhas dos membros de suas comunidades, afinal, cada um tem o direito de cuidar da própria vida como achar que é melhor pra si. O papel da liderança religiosa é acolher as angústias daqueles que lhes procuram e, então, ajudá-los a perceber aquilo que lhes causa sofrimento. Deveriam, inclusive, se formação ética e bom caráter tiverem, encaminhar aqueles que sofrem com o adoecimento psíquico e físico aos profissionais de saúde, tirando de sobre os ombros a síndrome do salvador e a responsabilidade sobre os desdobramentos daqueles que decidirem não se tratar convenientemente.


No que diz respeito ao cuidado da vida humana é necessário responsabilidade, ética, empatia, simpatia, humildade para reconhecer as limitações do nosso conhecimento, da nossa capacidade e das nossas funções. É preciso somar saberes no que diz respeito ao cuidado de uma outra vida.

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