segunda-feira, 30 junho 2025
ANÁLISE

Na Inglaterra, pubs de pé; na França, cafés sentados

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Por Eng. João Ulysses Laudissi
Engenheiro João Ulysses Laudissi | Foto: Divulgação

Ao ler o livro Não-Lugares – Introdução a uma Antropologia da Supermodernidade, de Marc Augé (Editora Papirus), uma ideia me chamou a atenção: quando o corpo repousa, a cultura se revela. Foi essa reflexão que me inspirou a escrever este texto. Então, vamos a ele.

Na Inglaterra, o pub é mais do que um local para beber cerveja. Ele faz parte do dia a dia e da identidade britânica. O termo vem de public house, ou seja, “casa pública”. É um espaço onde as pessoas se encontram para conversar, relaxar e manter o contato com a comunidade. O clima é informal e acolhedor, refletindo valores típicos dos britânicos, como o respeito pelo espaço coletivo, a simplicidade na convivência e o forte vínculo com o bairro.

Na França, o café também vai além da bebida. É um lugar para sentar, conversar, observar o movimento das ruas e pensar. O café faz parte de um estilo de vida que valoriza o tempo desacelerado, o prazer da boa conversa e o hábito de simplesmente estar presente. Sentar-se em um café não é apenas descansar: é participar de um ritual social e, muitas vezes, reflexivo.

A diferença entre os dois espaços está também na postura das pessoas. No pub inglês, é comum ficar em pé. Isso permite conversas rápidas e encontros casuais. A pessoa chega, toma algo, conversa um pouco e vai embora. É uma interação prática e leve, que não exige tempo nem compromisso. O pub é um lugar de passagem e de convivência dinâmica.

Já no café francês, sentar-se tem um valor simbólico. Significa estar disposto a permanecer, conversar com calma, ouvir o outro e aproveitar o momento. Ali, o tempo parece andar mais devagar. O café convida à reflexão e à construção de relações mais profundas.

Essas formas de estar — em pé no pub ou sentado no café — mostram como cada cultura lida com o tempo, a conversa e o espaço. O pub inglês expressa uma cultura mais prática, flexível e veloz. O café francês, por outro lado, representa uma cultura mais reflexiva, estável e voltada para a convivência prolongada.

Há também aspectos urbanos e econômicos que influenciam esse comportamento. Os pubs costumam ser menores e estão em regiões urbanas mais densas, onde o giro rápido de clientes é vantajoso. Já os cafés franceses, muitas vezes instalados em calçadas com mesas ao ar livre, favorecem a permanência mesmo sem consumo constante, algo típico da cultura francesa.

Outro detalhe curioso é que tanto pubs quanto cafés já serviram — e talvez ainda sirvam — como pontos discretos de espionagem. Por serem lugares abertos e movimentados, facilitam encontros informais, observações silenciosas e trocas de informações. O que para muitos é só um café ou uma cerveja, para outros pode ser parte de um jogo estratégico. Mas esse é um assunto para outro momento.

No fim das contas, a diferença entre estar em pé num pub inglês e sentar-se num café francês não se resume a uma escolha física. É uma forma de ver o mundo. É a cultura moldando o corpo, os gestos e o modo como nos relacionamos com o tempo e com os outros.

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