sábado, 8 novembro 2025
CRÔNICA

Sobre Amizades

Descobri, com a dor do abandono, que a amizade é como uma flor compartilhada
Por
Rev. André Luís Pereira
André Luís Pereira é reverendo, educador e cronista. Escreve sobre fé, relações humanas e os aprendizados do cotidiano, com sensibilidade e olhar pastoral sobre a vida.

Hoje despertei reflexivo.

Entre tantos pensamentos que me visitaram, um deles resolveu ficar: a amizade.
Parei por um instante — talvez longo — para pensar nela e, logo em seguida, nas amizades que construí ao longo da vida. Foi então que percebi: talvez eu não tenha sido um amigo tão bom quanto imaginava ser. Mas eu explico.

Durante muitos anos — da infância até a vida adulta — tive apenas dois grandes amigos.
Hoje, não nos falamos mais.

Não houve briga, nem desentendimento, nem mágoa.
Houve apenas o tempo.

Crescemos. Tornamo-nos adultos — e isso não significa apenas envelhecer.
Significa ver o mundo com outros olhos, caminhar por estradas diferentes, relacionar-se de novas formas. E, sem perceber, fomos nos desconectando.

Ainda assim, o carinho e o respeito permanecem.
Como naquela antiga história infantil, há um fio invisível que nos mantém ligados, mesmo à distância.
Quando tento lembrar o momento em que começamos a nos afastar, volto às sessões de terapia.
Ali, algumas coisas começaram a fazer sentido — inclusive minha insistência em manter laços que já não queriam ser mantidos.

Percebi que, desde a juventude, eu era quem se esforçava para manter o grupo unido.
E um dia, simplesmente, cansei.

Entendi que a amizade não se sustenta quando só um lado rega a flor.
A amizade, como qualquer relação, é uma estrada de mão dupla.
Então parei de ligar, de mandar mensagens, de visitar.
E o silêncio deles confirmou o que eu já intuía: o vínculo se mantinha por causa do meu esforço.
Quando parei, tudo parou.

E, desde então — já se vão mais de seis anos — não nos falamos mais.
Doeu perceber que eu estivera sozinho por tanto tempo.
Senti vergonha, confesso. Vergonha por ter forçado a permanência de algo que já havia se despedido.
Pensei em pedir desculpas, mas calei.
Fiquei apenas com a frustração e a sensação de abandono.
Mas o tempo é um professor paciente.

Hoje, quando volto a pensar nesses amigos, não sinto mais vergonha.
Sinto gratidão.
Gratidão por perceber o quanto fui fiel, mesmo quando o outro já não estava mais lá.
Gratidão por reconhecer em mim a capacidade de cuidar, nutrir vínculos e permanecer.

Alguém poderia me perguntar:
“Se você é assim, por que parou?”
E eu responderia:
“Porque aprendi que a amizade só floresce onde há reciprocidade.”

Descobri, com a dor do abandono, que a amizade é como uma flor compartilhada.
Pertence a dois — ou mais — jardineiros que sabem que, para mantê-la viva, é preciso compromisso.
Podem regá-la juntos, entre risos e cafés, ou sozinhos, quando um deles está cansado.
Mas, mesmo distante, o verdadeiro amigo deseja ver a flor viva — e confia que o outro cuidará dela até que possa voltar.

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