quarta-feira, 9 julho 2025
MEIO AMBIENTE

Um ano da mortandade de peixes no Rio Piracicaba

Tão graves quanto os impactos ao meio ambiente foram as consequências socioambientais desse desastre que ainda permanecem vivas
Por
SOS Rio Piracicaba e Instituto Aimara de Defesa e Educação Ambiental
Gian Carlos Rodrigues Machado (à esq.), presidente da SOS Rio Piracicaba, e Thiago Assis de Souza Brito, presidente do Instituto Aimara de Defesa e Educação Ambiental

Há exato um ano, o Rio Piracicaba foi palco de um dos episódios mais graves de mortandade de peixes da sua história recente, escancarando a vulnerabilidade do ecossistema aquático regional e os impactos cumulativos da degradação ambiental. Estima-se que aproximadamente 100 toneladas de peixes tenham sido encontradas mortas ao longo do leito e das margens do rio durante o episódio de julho de 2024, configurando um dos maiores desastres ambientais da bacia. Entre as espécies mais afetadas estavam curimbatás, dourados, piaus, traíras e lambaris, essenciais para o equilíbrio ecológico e para a subsistência das comunidades pesqueiras locais.

A mortandade de peixes provocou um colapso na biodiversidade aquática do Rio Piracicaba — queremos crer que temporário! —, com efeitos em cadeia sobre o ecossistema. A poluição das águas afetou não apenas os peixes, mas também aves, répteis e mamíferos que deles se alimentavam, muitos dos quais desapareceram da região. Espécies ameaçadas tiveram suas populações ainda mais reduzidas, comprometendo a resiliência ecológica da bacia.

Tão graves quanto os impactos ao meio ambiente foram as consequências socioambientais desse desastre que ainda permanecem vivas. Pescadores artesanais, ribeirinhos e comunidades tradicionais que dependem diretamente do rio para sua subsistência ainda enfrentam sérias dificuldades para retomar suas atividades. A redução drástica da fauna aquática afetou diretamente a renda de dezenas de famílias, intensificou a insegurança alimentar e comprometeu laços culturais e modos de vida historicamente vinculados ao Rio Piracicaba.

Milhares de peixes mortos no Rio Piracicaba. Foto: TV Metropolitana

Atualmente, não vemos mais a mesma quantidade de peixes e variações de espécies verificadas antes desta tragédia. Muitas famílias abandonaram seus lares e foram buscar a sorte noutros lugares. Trata-se de uma perda de identidade: carregam consigo a tristeza, a saudade do que um dia foi a vida junto ao rio, tudo que deixaram para trás para prover a subsistência de hoje. Muitos adoeceram e vivem hoje a base de medicamentos, com distúrbios e condições médicas especiais desenvolvidos a partir da tragédia, da incerteza do dia de amanhã.

As ações de socorro às famílias afetadas não foram suficientes para contornar os prejuízos. Os valores suplementares pagos a título de seguro defeso não chegaram a tempo e cessaram antes que a atividade de pesca pudesse ser restabelecida. Neste sentido, as linhas de crédito excepcionalmente disponibilizadas somente serviram ao endividamento, pois, sem a retomada da renda, as famílias não conseguem honrar seus compromissos.

As organizações signatárias desta nota — Instituto Aimara e SOS Rio Piracicaba — manifestam profunda preocupação com o estado atual do rio e reiteram que a proteção dos recursos hídricos não pode ser dissociada da garantia de direitos humanos, em especial dos direitos de comunidades que historicamente foram marginalizadas no processo de tomada de decisão sobre o território.

É urgente reforçar a fiscalização ambiental e a punição de crimes ecológicos, com transparência nas apurações e adoção de medidas de reparação integral de todos os danos pelos responsáveis por essa tragédia. Neste sentido, entendemos que:

  • Devem-se adotar ações de restituição, compreendendo a restauração ecológica plena do rio, da fauna e flora, o que inclui o repovoamento com espécies nativas afetadas, além da recuperação da qualidade da água e das áreas degradadas próximas ao leito, a retomada das atividades tradicionais de pesca artesanal e o acesso livre e seguro ao rio pelas comunidades que dele dependem para subsistência e práticas culturais.
  • Há que se implementar medidas de reabilitação. As comunidades pesqueiras atingidas enfrentam não apenas perdas materiais, mas também danos emocionais, sociais e culturais. A reabilitação exige a implementação de programas de apoio psicossocial, além de ações de capacitação e reinserção produtiva, com vistas à geração de renda alternativa enquanto os estoques pesqueiros não são plenamente reconstituídos. A reabilitação deve ser construída com diálogo direto com os afetados, garantindo o respeito às suas tradições e modos de vida.
  • Há que se proceder à compensação, diante das perdas irreversíveis causadas pela mortandade, devendo-se assegurar indenizações justas e proporcionais às famílias atingidas, considerando os prejuízos econômicos decorrentes da interrupção da pesca, a redução da renda, a insegurança alimentar e o sofrimento moral imposto. A compensação deve respeitar critérios objetivos e transparentes, com participação das comunidades na definição dos parâmetros e nos processos de avaliação e distribuição.
  • Como forma de reconhecer a gravidade da violação e valorizar o sofrimento das populações impactadas, há que se realizar atos oficiais de retratação, com ampla divulgação das causas e responsabilidades da mortandade. Isso deve incluir pedidos públicos de desculpas, cerimônias de memória ambiental e ações educativas nas escolas da região, contribuindo para a reconstrução do vínculo entre a sociedade e natureza, e para o fortalecimento da cidadania ambiental.
  • Por fim, para que episódios semelhantes não se repitam, é essencial a implementação de medidas estruturais de prevenção, como o reforço da fiscalização ambiental, o monitoramento contínuo da qualidade da água, a responsabilização efetiva dos agentes poluidores e a revisão de políticas públicas que impactam a bacia hidrográfica. Além disso, devem ser criados mecanismos permanentes de participação social, assegurando que pescadores, ribeirinhos e organizações da sociedade civil tenham voz ativa nas decisões que afetam o rio e seu entorno.

As famílias tradicionais que vivem da pesca no Rio Piracicaba são as verdadeiras guardiãs do território e da biodiversidade. São elas que conhecem cada ciclo do rio, que preservam saberes ancestrais e que resistem, dia após dia, diante das pressões ambientais, econômicas e institucionais. Esses pescadores e pescadoras, muitas vezes invisíveis às políticas públicas, são também defensores ambientais de primeira linha e merecem nossa mais profunda admiração, respeito e reconhecimento. Proteger o rio é também proteger os modos de vida que dele dependem.

Relembrar este episódio não é apenas um exercício de memória, mas um chamado à ação. A crise ambiental do Rio Piracicaba deve ser tratada como um alerta para toda a sociedade e uma prioridade permanente na agenda dos governos. Que os nossos filhos e as futuras gerações possam desfrutar de um rio vivo e de toda a riqueza de sua biodiversidade.

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