A Polícia Federal (PF), a Receita Federal e o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) deflagraram, nesta quinta-feira (28), as Operações Tank e Carbono Oculto, contra fraudes no setor de combustíveis no país. As ações tiveram como alvo uma rede criminosa ligada ao PCC, acusada de lavagem de dinheiro, contrabando de produtos químicos e sonegação fiscal bilionária. Somente em tributos federais, a estimativa de prejuízo aos cofres públicos chega a R$ 7,6 bilhões.
Na região de Campinas, o cumprimento de mandados foi expressivo: foram sete em Campinas, quatro em Paulínia, dois em Piracicaba, um em Santa Bárbara d’Oeste, um em Cosmópolis e um em Rio das Pedras.
Ao todo, no Brasil inteiro, foram cumpridos 43 mandados de busca e apreensão e 14 de prisão, autorizados pela 13ª Vara Federal de Curitiba. “Nós apuramos aqui que, em relação ao grupo investigado, eles possuem pelo menos duas redes de combustíveis aqui no estado de São Paulo, uma rede muito ampla e uma outra também no âmbito de Goiás, e essas redes atuam de forma cooperada com redes já identificadas de lavagem de dinheiro para o PCC. Então, todo esse dinheiro que é movimentado dentro desse grande ecossistema, ele é dinheiro do crime organizado. Então, independentemente do preço que sai lá na bomba, nós estamos falando de produtos que não estão sendo rastreados e de valores que voltam para o crime organizado, através, principalmente, das instituições de pagamento e dos fundos de investimento”, explicou o promotor de Justiça do MP-SP, João Paulo Gabriel.

Funcionamento do esquema
De acordo com a investigação, uma das fraudes se dava por meio da importação irregular de metanol pelo Porto de Paranaguá (PR). O produto era desviado do destino declarado nas notas fiscais e transportado de forma clandestina, com documentos falsificados e sem as normas de segurança exigidas.
O material era, então, direcionado a postos e distribuidoras, onde era utilizado para adulterar combustíveis. “O metanol é um solvente químico, extremamente tóxico, extremamente perigoso, que tem restrição na ANP para conter apenas 0,5% em combustíveis, por exemplo, na gasolina. Não obstante, fiscalizações no estado de São Paulo apontam alguns postos com até 90% de metanol, o que é extremamente arriscado para as pessoas, para os veículos, para o meio ambiente. E o metanol é importado por Paranaguá, e ele deveria ir — ou formalmente é destinado — a químicas”, detalhou Yuri Fisberg, promotor de Justiça do MP-SP.
Além disso, postos ligados ao esquema também entregavam quantidades inferiores às informadas na bomba, lesando os consumidores.
Segundo apurado, empresários donos de postos de combustíveis eram coagidos a vender seus estabelecimentos para a rede criminosa, e muitos não recebiam os valores de pagamento pela venda, além de sofrerem ameaças de morte ao tentar cobrar. Isso também teria acontecido com empresários de usinas de cana-de-açúcar.
Estrutura
“São cerca de mil postos de combustíveis em mais de dez estados. A movimentação é de R$ 52 bilhões. Fintech atuava praticamente como o banco paralelo do crime organizado. Em relação à dimensão econômica — e isso é importante —, a Receita identificou que os fundos fechados, com um único cotista, geralmente criando várias camadas, tinham bens adquiridos, como um terminal portuário, quatro usinas produtoras de álcool, mais participação em duas. Ou seja, estamos falando da economia real. É espaço que deixa de ser ocupado por empresários legítimos, que realmente querem empreender no Brasil. Uma frota de 1,6 mil caminhões e mais de 100 imóveis, dentre os quais seis fazendas avaliadas em R$ 31 milhões e uma residência avaliada em R$ 13 milhões”, informou Andrea Costa Chaves, subsecretária de Fiscalização da Receita Federal.
Fintechs
Além do braço operacional no mercado de combustíveis, o grupo mantinha uma sofisticada rede de fintechs próprias para movimentar os recursos ilícitos. Essas instituições de pagamento eram utilizadas em substituição aos bancos tradicionais, dificultando o rastreamento. Com contabilidade paralela, permitiam transferências entre empresas e pessoas físicas sem identificar os beneficiários finais.
As investigações apontam ainda que a principal distribuidora ligada ao esquema, com sede administrativa no Paraná e sede operacional em Paulínia, chegou a declarar faturamento de mais de R$ 7 bilhões entre 2020 e 2023, mas a apuração mostrou que a operação era sustentada com dinheiro do crime organizado.
No total, a organização movimentou mais de R$ 20 bilhões em transações bancárias, ocultando depósitos em espécie, transferências cruzadas e uso de empresas de fachada.
Operação Quasar
Paralelamente, a PF também deflagrou a Operação Quasar, que apura um esquema de blindagem patrimonial e lavagem de dinheiro por meio de fundos de investimento, com indícios de ligação a facções criminosas. Nessa frente, foram cumpridos 12 mandados de busca e apreensão em São Paulo, Campinas e Ribeirão Preto, com bloqueio de bens que somam R$ 1,2 bilhão.
Segundo os investigadores, as operações fazem parte de uma estratégia conjunta para estrangular financeiramente as organizações criminosas que atuam no setor de combustíveis, recuperando valores desviados e reforçando o combate à infiltração do crime organizado na economia formal.
“Não basta você simplesmente prender ou oferecer um processo criminal. Você precisa desarticular o grupo. E a desarticulação ocorre, principalmente, via patrimonial. Então, a operação de hoje já teve o seu objetivo cirúrgico: detectar, mapear, provar que a rede está conectada em toda a cadeia do combustível, identificar quem são os beneficiários finais, onde o dinheiro está alocado, as formas de lavagem de dinheiro, para, a partir daí, cada órgão, em sua esfera e em sua especialidade, poder atuar e responsabilizar o grupo. Então, esse é o próximo passo da investigação”, declarou João Paulo Gabriel.
Operações históricas
O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, exaltou o tamanho das operações realizadas nesta quinta-feira. “Hoje, nós deflagramos uma das maiores operações da história contra o crime organizado, sobretudo em sua atuação no mercado legal, ou seja, atacando, neste momento, o setor de combustíveis, a apropriação das organizações criminosas em parte do setor de combustíveis e a sua ligação com o setor financeiro no que diz respeito à lavagem de dinheiro. Eu diria que, com toda certeza, é uma das maiores operações da história brasileira. Ela foi capitaneada pela Polícia Federal, pela Receita Federal e, como eu disse, com a participação também dos Ministérios Públicos estaduais, aos quais agradecemos a cooperação.”