O MP-SP (Ministério Público de São Paulo) denunciou, nesta quinta-feira (10), seis policiais militares, sendo cinco homens e uma mulher, envolvidos na ocorrência que terminou com a morte de Gabriel Júnior Oliveira Alves da Silva, de 22 anos, no bairro Vila Sônia. A denúncia foi feita por meio da 2ª Promotoria de Justiça Criminal de Piracicaba. Grávida, a esposa da vítima, Rebeca Braga, também teria sido agredida por um dos policiais.
Segundo o promotor Aluísio Antonio Maciel Neto, Gabriel não jogou uma pedra contra a viatura, como constava no histórico do boletim de ocorrência. “O policial pediu para que o indivíduo soltasse a pedra, o que por ele não foi atendido. Como o indivíduo estava muito próximo, o policial efetuou um único disparo de arma de fogo contra o mesmo”, diz o relato oficial registrado após os fatos.

O promotor afirma que a cena do crime foi modificada. “Com a intenção de alterar a cena do crime, o policial militar passou a vasculhar o local e recolheu duas pedras, mantendo-as no interior de sua viatura. Com a chegada da autoridade policial, apresentou os referidos objetos, alegando que haviam sido arremessados pela vítima Gabriel, a fim de justificar sua ação homicida”, conforme consta nos autos.

Um dos PMs foi denunciado por homicídio duplamente qualificado (motivo torpe e impossibilidade de defesa) e fraude processual. Contra outro agente, a acusação é de tortura. Os demais foram denunciados por coação no curso do processo e violação do direito de acesso a advogado. A Promotoria pediu a prisão preventiva de dois dos acusados no dia 24 de junho.
Entenda o caso
Segundo consta na denúncia do MP, em 1º de abril de 2025, por volta das 19h, policiais militares realizavam patrulhamento de rotina na Vila Sônia, em Piracicaba, quando avistaram Gabriel e outro rapaz que o acompanhava. Os agentes ordenaram que os dois colocassem as mãos sobre a cabeça. Em seguida, o policial militar teria chamado Gabriel pelo nome e perguntou se ele estava ‘tranquilo’. Ao responder que sim, o policial o teria o levado para baixo de uma árvore, onde então teria passado a agredir o rapaz.
Rebeca, esposa de Gabriel, que estava grávida de oito meses, também teria sido vítima de tortura psicológica, segundo a denúncia. Ela seguia em direção ao marido após comprar um milho, e questionou os policiais sobre o motivo das agressões. Um dos policiais teria respondido que Gabriel seria “folgado”. Ela então teria retrucado, dizendo que os policiais é que estavam sendo “folgados”. Nesse momento, um dos agentes teria dado um tapa no rosto dela e dito: “Você que é folgada, sua vagabunda”. Rebeca então arremessou o prato com milho no policial, que teria passado a agredi-la com empurrões, até ela cair no chão. O policial ainda teria a arrastado pelos cabelos.

Ainda segundo a denúncia, ao ver a esposa sendo agredida, Gabriel tentou se aproximar. “Todavia, com intenção de matar, o policial militar apontou a arma para Gabriel e disparou contra ele, a média distância, alvejando-o na cabeça”, consta.
Após ser atingido, Gabriel caiu no chão. Populares que presenciaram a cena tentaram socorrê-lo, mas teriam sido impedidos. Vendo o marido agonizando dentro da viatura, Rebeca foi novamente alvo de tortura psicológica. Um dos policiais teria dito que “o lixo do seu marido estava morrendo” e que “iria ligar na central para a ambulância demorar a chegar”.

“O crime de homicídio foi cometido por motivo torpe, consistente no fato de o denunciado não aceitar a revolta da vítima Gabriel diante das agressões praticadas contra sua esposa no momento da abordagem. O crime também foi cometido mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, já que o disparo foi feito repentinamente contra a cabeça, reduzindo-lhe a possibilidade de reação eficaz”, afirma a denúncia.
Advogado teria sido intimidado
Ainda segundo a denúncia, no dia 10 de abril, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Piracicaba, Gustavo Henrique Pires, que também presta assistência à família de Gabriel, após apresentar as vítimas ao Ministério Público, retornou à comunidade da Vila Sônia, onde avistou duas viaturas da Polícia Militar. No carro também estava um rapaz identifiacdo como Bruno, que é estagiário do advogado. Durante o retorno, Gustavo iniciou uma videochamada com uma advogada, e seguiu dirigindo o veículo.
Também segundo o MP, os policiais então teriam entrado nas viaturas e iniciado perseguição ao veículo de Gustavo. Uma das viaturas seguiu pela contramão e bloqueou a passagem do carro, enquanto a outra, com o giroflex ligado, aproximou-se pela traseira. Em seguida, os policiais desembarcaram com armas em punho e ordenaram que Gustavo e Bruno saíssem do veículo. Um dos agentes teria dito: “É o advogado, é o advogado”.

Um dos policiais teria apontado o fuzil para o Gustavo e ordenado que ele encerrasse a ligação com a advogada, colocasse as mãos na cabeça e encostasse no portão. Gustavo se identificou como advogado e pediu que a OAB fosse acionada, o que teria sido recusado pelos policiais, que, segundo o MP, disseram: “Você não vai ligar porra nenhuma”.
Após vasculharem a mochila e solicitarem a senha do celular de Gustavo, um dos policiais teria perguntado por que ele estava no local e tão envolvido no caso. Em seguida, o policial teria dito: “Você não entendeu o recado?”, e ainda teria afirmado que não queria ver o advogado no local novamente. Por fim, os policiais teriam liberado Gustavo e Bruno sem qualquer registro da abordagem, e teriam se recusado a apresentar ocorrência no plantão policial.
Após serem liberados, Gustavo e Bruno seguiram diretamente à delegacia de plantão, onde relataram o ocorrido e formalizaram o registro da ocorrência.