Você sabia que, durante muito tempo, a cachaça foi considerada uma bebida de baixo status, consumida apenas por escravizados e pela população pobre?
No dia 13 de setembro, o Brasil comemora o Dia Nacional do destilado mais tradicional do país. Produzida a partir do caldo de cana-de-açúcar, a bebida é símbolo da cultura nacional e reflete séculos de história, desde o período colonial até os dias atuais. A data também valoriza a diversidade de técnicas artesanais e o patrimônio cultural brasileiro.
Da colônia à mesa do brasileiro
Não há registro exato sobre onde começou a destilação da cachaça, mas acredita-se que tenha ocorrido em engenhos de açúcar no litoral, entre 1516 e 1532. Assim, tornou-se o primeiro destilado da América Latina, antecedendo o pisco, a tequila e o rum.
A trajetória da cachaça começou com os colonizadores portugueses, que trouxeram para o Brasil a técnica de destilação. Desde então, a bebida evoluiu, conquistou diferentes cores e sabores e se firmou como uma iguaria apreciada por especialistas e turistas, deixando de ser associada apenas às classes mais humildes.

Data a ser comemorada
O presidente do IBRAC (Instituto Brasileiro da Cachaça), Carlos Lima, reforça o valor histórico da data. “O dia 13 de setembro mostra a importância histórica que a cachaça tem no Brasil. É uma lembrança da perseguição que a bebida sofreu no período colonial, quando havia incentivo aos produtos vindos de Portugal e desincentivo ao consumo dos produtos da terra, entre eles a cachaça.”
Durante muito tempo, a cachaça foi considerada uma bebida de baixo status, consumida apenas por escravizados e pela população pobre. No século XVII, a corte em Portugal proibiu a produção e a venda do destilado brasileiro, o que levou a uma revolta dos produtores contra a coroa portuguesa.
Por que 13 de setembro?
No dia 13 de setembro de 1661, a rainha Luísa de Gusmão liberou a produção e a comercialização da bebida no Brasil. Por isso, atualmente a data é celebrada como o Dia Nacional da Cachaça.
Ele lembra que, em momentos de proibição, a bebida chegou a inspirar a Revolta da Cachaça, ocorrida no Rio de Janeiro, e destaca que “é uma data não só para festejar o nosso destilado verde e amarelo, mas também para mostrar a resiliência do povo brasileiro e o processo de luta pela nossa própria cultura.”
Tradição e sustentabilidade na produção
Nesta reportagem especial, acompanhamos de perto todo o processo de produção da cachaça no Engenho Fazenda Velha, em Nova Odessa, desde o plantio da cana até o engarrafamento da bebida.
A história do engenho tem origem em 1888, quando Giovanni Vincenzo Maria Polacchini, vindo da Itália, iniciou a produção de destilados em Brotas. Giovanni, que já fabricava grappa em seu país natal, transmitiu o conhecimento ao filho Antônio Paschoal e, posteriormente, ao neto Vicente Paulo Polacchini.
Na década de 1980, Vicente começou a produzir cachaça em alambiques de 600 litros em Americana, enquanto trabalhava no laboratório de física da Unicamp. O projeto foi retomado em 2000 em Nova Odessa, no bairro Fazenda Velha, com equipamentos modernos, automação e práticas sustentáveis. A primeira licença de operação da CETESB foi concedida em 2016.
Atualmente, a produção está sob os cuidados de Fábio Polacchini, que relembra a origem familiar do negócio. “Os avós do meu pai faziam grappa na Itália. Quando chegaram ao Brasil, já não tinham a uva, mas encontraram a cana. Desde pequeno, ele sempre esteve no meio do alambique.”

Com cerca de cinco hectares de cana cultivada, o engenho estuda a adoção do plantio orgânico como novo desafio. O processo é acompanhado por um técnico químico desde a fermentação até o envase, garantindo qualidade e padronização.
Além do mercado interno, a marca já exporta para o exterior. “De 25 a 27 de setembro, vamos estar na Seven Summit 2025, em Porto, Portugal, junto com nosso parceiro oficial Manuel Azevedo”, revela Fábio.
Regulamentação, qualidade e desafios do setor
Segundo Carlos Lima, não existe distinção de qualidade entre cachaça artesanal e industrial no que se refere a critérios legais. “O Ministério da Agricultura estabelece padrões de identidade e qualidade que valem para todos, independentemente do porte do produtor. Sanidade não se discute. Ela precisa ser respeitada por micro, pequenas, médias ou grandes empresas.”
Apesar disso, ele reconhece que pequenas e médias empresas precisam de tratamento diferenciado no aspecto tributário. O IBRAC, diz Lima, tem atuado para garantir a inclusão desses produtores em regimes como o Simples Nacional e para que tenham condições mais justas dentro da reforma tributária.
Impostos atrapalham
Outro entrave apontado pelo presidente do instituto é a alta carga tributária. “A cachaça é, historicamente, um dos produtos mais tributados do Brasil. O IPI aplicado a ela é quatro vezes maior que o da cerveja. Enquanto a cerveja representa 90% do mercado, todos os destilados juntos, incluindo gin, vodca e uísque, ficam com apenas 10%.”
Exportação
No mercado internacional, a bebida enfrenta desafios, como barreiras tarifárias. Recentemente, os Estados Unidos elevaram em 50% a taxação sobre a cachaça. Ainda assim, a bebida tem conquistado reconhecimento. Em acordos internacionais, já foi registrada como indicação geográfica exclusiva do Brasil, a exemplo da proteção dada à tequila no México ou ao uísque escocês no Reino Unido.

“Apenas a partir do momento em que o governo brasileiro enxergar na cachaça um soft power, como o México fez com a tequila e o Reino Unido com o Scotch, é que teremos o verdadeiro desenvolvimento da categoria”, defende Lima.
Memória e paixão em coleções
A paixão pela cachaça também move Hermínio Monteiro, morador de Sumaré, que mantém uma coleção com mais de 1.000 rótulos catalogados. Ele começou em 2005, quando trabalhava em Minas Gerais. “Eu via muita cachaça em restaurantes e ateliês, comecei a comprar para enfeitar a sala. Queria três prateleiras, mas virou isso aí hoje, com 1.061 garrafas, todas catalogadas”, conta.
Entre as peças mais curiosas estão a primeira aquisição, a cachaça Penicilina, e exemplares vindos de países como Argentina, Grécia, Chile, Itália e Alemanha. “O Brasil é o maior produtor do mundo, mas também tenho rótulos de fora, que ganhei de amigos e até do meu filho, que trouxe do exterior”, explica.

Com humor, ele destaca os nomes inusitados. “Tenho a Nabunda, a Rola Moça, o Pau da Vida e o Contraveneno. As cachaças têm muitos nomes engraçados.” Apesar da coleção imponente, admite quase não consumir a bebida. “É mais para colecionar, eu quase não bebo.”
Para Hermínio Monteiro, a cachaça é um símbolo da cultura nacional. “Muita gente leva cachaça para fora porque não encontra lá. Minas é o maior polo, mas São Paulo também tem muitos produtores”, pontua o colecionador.