As perspectivas sombrias do impacto da Covid-19 e a deterioração do quadro político estão levando a previsões cada vez mais pessimistas para a economia brasileira em 2020 e 2021. Elas já incluem cenários de crescimento nulo ou negativo também no ano que vem.
A pandemia provocará um fato histórico e até então inimaginável: a queda anual superior a 10% nas horas trabalhadas no setor de serviços, de longe o maior conjunto de atividades na economia.
Como comparação, a maior retração anual já registrada nesse item foi inferior a 1%, ao fim da recessão que tirou 7,2% do PIB no biênio 2015-2016, segundo dados da FGV Ibre.
Pelas projeções do órgão, o setor de serviços encolherá à taxa recorde de -4,4% neste ano –e o PIB, de -5,4%. Os serviços representam 70% da economia e dos empregos, quase a metade deles informais. É o tipo de vaga que mais crescia desde 2016 e que já limitava o PIB devido à sua baixa produtividade.
A retração nos serviços também contribuirá para derrubar a massa salarial em mais de 10% e a elevar o desemprego acima de 20%, tornando muito difícil a recuperação.
Em outras recessões, os trabalhadores dos serviços sempre encontraram meios de obter renda, dando alguma sustentação à economia. Isso é limitado agora pelo isolamento –e pela expectativa de um “abre e fecha” em razão de ondas da epidemia.
Especialistas afirmam que a atual crise política também cobrará um preço alto do Brasil pela inviabilização de um ambiente favorável a reformas no Congresso. Sem um horizonte econômico positivo, as reformas poderiam servir de âncora, sinalizando uma estabilização mais à frente, sobretudo na área fiscal.
Assim, o Brasil pode não ter notícias encorajadoras para estimular o consumo das famílias e os investimentos, que já sofrem um enorme baque.
Em março, os investimentos em máquinas, construção civil e pesquisa recuaram 8,9%, o pior tombo em 25 anos. A produção de veículos cai 39% no ano e teve, em abril, o pior resultado desde a instalação de fábricas no Brasil, em 1957. O país também registrou deflação de 0,31% em abril, a maior desde 1998 e uma boa medida da depressão atual.
Esses dados sugerem que a atividade tende a permanecer muito baixa, gerando pouca renda e arrecadação para bancar tanto a conta da crise quanto novos estímulos para acelerar o crescimento.
“A grande novidade desta crise é o impacto nos serviços e a destruição de seus empregos. E não está claro se vamos implodir também o médio prazo. Além dos problemas que já temos, estamos construindo outros novos”, diz Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro Ibre, da FGV.
Matos não acredita em uma recuperação em “V”. Segundo ela, se por um lado o governo quer sustentar a atividade com estímulos fiscais, por outro a crise política e a perspectiva negativa no campo das reformas inibirão o consumo, o emprego e os investimentos.
A FGV Ibre prevê crescimento, em 2021, entre 2% e 3,8%, mas com enormes incertezas que podem alterar o quadro. No próprio setor de serviços, é uma incógnita o que acontecerá com atividades que concentram muita gente, como restaurantes, cinemas, shows e o setor aéreo.
O economista-chefe do banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, prevê um PIB negativo de -3% em 2021 –após queda de -7% em 2020.
“Há um fluxo de medo invadindo o cenário. Além dos graves efeitos da epidemia, está difícil enxergar uma estabilização política que favoreça ajustes”, diz Gonçalves.
Para Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, o Brasil pode não crescer nada em 2021 pelos impactos da atual crise política e por já estar gastando, neste ano, boa parte da munição fiscal que teria para estimular a economia.
“O governo vem direcionando uma metralhadora nos próprios pés na política, e a perspectiva é que não aprove mais nada de relevante”, diz.
A Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, também não crê em recuperação em “V” e começa a alterar para pior a sua percepção futura. “Nosso cenário mais pessimista vai se tornando cada vez mais provável, com o risco do pós-crise crescendo em um quadro de expansão do gasto público sem coordenação”, afirma Felipe Salto, diretor-executivo da IFI.
Na previsão pessimista, o PIB cairia -5,2% neste ano e cresceria só 0,5% em 2021. Como o tamanho da economia serve de denominador para o cálculo da dívida pública, ela aumentaria de 90% do PIB ao final deste ano para 94,4% no próximo, podendo ultrapassar os 100% em 2023.
Salto acha pouco provável que a receita tributária aumente com vigor de 2021 em diante para compensar os pacotes emergenciais, que só neste ano devem somar R$ 440 bilhões, ou 6% do PIB.
Mesmo em relação à ajuda emergencial aos que perderam o trabalho, há dúvidas se o governo não estaria gastando de uma vez boa parte da munição fiscal que poderá fazer falta mais à frente.
Marcelo Neri, da FGV Social, calcula que cerca de 11,3 milhões de famílias beneficiárias do Bolsa Família (87% do total) puderam optar pela ajuda emergencial de R$ 1.200 por três meses –quando antes recebiam, em média, R$ 192.
Em muitos casos, em apenas um trimestre essas pessoas receberão o equivalente ao que ganhariam em 18 meses.
“Fomos de um extremo ao outro, e é compreensível a tentativa de ser generoso e talvez errar para mais. Mas é um dinheiro que poderia ser empregado em programas mais focalizados depois.”
Trabalho dos economistas Naercio Menezes e Bruno Komatsu, do Insper, mostra que, se a ajuda emergencial de R$ 600, por três meses, atingir 32 milhões de pessoas (e serão mais), a taxa de pobreza no país cairá de 16,7% do total da população para 6%.
Assim, além de ajudar as pessoas na crise, os benefícios poderão trazer dividendos políticos ao presidente Jair Bolsonaro a curto prazo.
Segundo o Datafolha, desde que os valores começaram a ser pagos, Bolsonaro ganhou oito pontos de apoio entre os que recebem até dois salários mínimos (60% da população).
“Parece haver um receio muito grande no governo de como a crise afetará a popularidade do presidente”, diz Menezes. O risco seria Bolsonaro querer sustentar sua aprovação a um custo fiscal elevado.
Repetir os auxílios emergenciais por muito tempo, no entanto, é considerado insustentável –e eles teriam de ser substituídos à frente pela volta da atividade econômica.
Para o economista-chefe do BNDES, Fabio Giambiagi, no entanto, é provável que o Brasil tenha, em 2021, a menor taxa de crescimento entre todos os países do G20. Embora acredite em um PIB positivo no ano que vem, Giambiagi vê como muito desfavorável o cenário futuro.
“Um ambiente de luta política entre governadores, Congresso e Presidência é tudo, menos algo que traga confiança para investimentos.”
Pelo lado do consumo, o quadro também é desafiador. O Bradesco estima, por exemplo, que as famílias sairão da crise até cinco pontos percentuais mais endividadas em relação à renda disponível.
Nas projeções do banco, o PIB encolherá -4% neste ano, resultando em crescimento acumulado de 0,1% na década de 2011 a 2020 –o menor, em períodos de dez anos, desde o início do século passado. Para 2021, a previsão do Bradesco é que o PIB cresça 3,5%.
“Mas ainda existe muita incerteza sobre como será a pandemia e a saída do isolamento”, diz Fernando Honorato, economista-chefe do banco.
Em sua opinião, o fato de o presidente Jair Bolsonaro ter reafirmado há alguns dias a influência do ministro Paulo Guedes na economia de certa forma “blinda” a área.
Já a consultoria Tendências projeta retração de -4,1% no PIB deste ano e crescimento de 3,6% em 2021 –algo insuficiente para fazer a economia voltar ao nível de 2019. “A piora do cenário político traz dificuldades, mas a aposta é que a agenda econômica seja retomada”, diz Fabio Klein, economista da Tendências.
Para José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio, o mais importante agora é manter a renda dos afetados pela crise, sobretudo nos serviços, e tentar retardar ao máximo o fechamento de empresas.
Nesse sentido, a ajuda emergencial aos informais e a redução de salários para evitar demissões no mercado formal teriam sido muito acertadas.
“Mas o problema de fundo permanece: ninguém sabe quanto tempo de isolamento ainda temos pela frente”, diz.